
Um dos fundadores do Berbigão do Boca, foi ele quem sugeriu o nome do evento, homenageando o molusco mais popular da culinária manezinha e o amigo Paulo Bastos Abraham (Boca), maior folião do grupo formado também por Ricardo Bastos Ferreira (Caco), Euclides Bianchini (Tico), Paulo Roberto da Rosa (Paulão) e os irmãos Adil (Rebelinho) e Sérgio Rebelo (Serginho). Na 28ª edição da festa oficial de abertura do Carnaval de Florianópolis, no dia 14 de fevereiro, será apresentado o boneco de número 40, o do Rei Momo Hernani Hulk.
Como surgiu a ideia do Berbigão do Boca?
Lembro como se fosse hoje. Um grupo de sete amigos matava a ressaca do Carnaval recém-terminado, no bar do Clube Doze de Agosto, em sua sede balneária de Coqueiros, na quarta-feira de Cinzas de 1992. Dentre eles, um Boca (Paulo Bastos Abraham) inconformado porque em Olinda (PE) o Bacalhau do Batata ainda desfilava com seus bonecos gigantes, arrastando uma multidão, e nós ivamente conformados com um Carnaval esmaecido, desmotivado. E sugeriu que imitássemos os pernambucanos e fizéssemos uma festa para estender por mais dias o período de Momo.
Nesta hora eu intervi e sugeri que, ao invés de prorrogar uma festa em declínio, desanimada, como a nossa, fizéssemos um evento para remotivar o público folião, fazendo-o reviver os grandes momentos do Carnaval de Florianópolis. Assim, com sugestões dos demais circundantes, concebemos uma festa que aconteceria uma semana antes do Carnaval, sempre na sexta-feira e na área mais popular da cidade, região do Mercado Público e Largo da Alfândega. E lembrando o bloco carnavalesco que ele citara, sugeri o nome Berbigão do Boca, em homenagem ao maior folião daquele grupo, o Boca, e ao molusco mais popular da culinária manezinha, o berbigão.

A intenção inicial era mesmo criar um evento grandioso para alcançar a proporção que tomou?
Evidentemente que não tínhamos a ideia da proporção que o Berbigão do Boca alcançou, caindo imediatamente no gosto da cidade e se transformando em uma atração a mais para o público que nos visita. Entre 1993 e 2000, a festa ocorria sempre no vão central do Mercado, mas com o novo século e a adesão em massa dos foliões, tivemos que expandir o espaço para uma parte do Largo da Alfândega.
Cinco anos após, toda a área mais central e popular da cidade era tomada por um público crescente, quando foi declarada a festa oficial de abertura do nosso Carnaval, por decreto municipal. Hoje são mais de 100 mil pessoas que visitam a festa em suas 12 horas de duração, com um pico de 60 a 70 mil pessoas, entre participantes e assistentes, no desfile Arrastão do Berbigão, que acontece entre as 19h e 23h.

Como é feita a escolha das pessoas que serão representadas pelos bonecos?
Fazemos uma relação de pessoas proeminentes na vida da cidade, infelizmente falecidas, preferencialmente, mas não obrigatoriamente, vinculadas ao Carnaval, e escolhemos. Às vezes, é consensado unanimemente, como no caso do Rei Momo Hulk, mas há ocasiões em que temos que recorrer à votação. Teve um ano em que estreamos três bonecos, alguns anos dois, mas, ultimamente, é sempre um homenageado por ano. O plantel está no número 40.
Vocês brincam sobre qual dos fundadores será o primeiro a virar boneco?
É, tornou-se um jargão popular dar a notícia da morte de alguém, dizendo “fulano de tal virou boneco”. Entre nós, há até apostas sobre quem será o primeiro homenageado entre os fundadores e atuais diretores. Há 10 anos, fui submetido a uma cirurgia e o Boca convocou o Allan Cardoso, que é quem constrói os bonecos, para ir ao hospital tirar uma fotografia minha atualizada. Estava ainda sob efeito da anestesia quando acordei com o Allan, máquina em punho, me registrando. Não precisou, a minha foto ficou desatualizada e quem está com a foto atualizada agora é o Boca, que recentemente se submeteu a cirurgia, e solicitei ao Allan igual providência.

Nega Tide (Erotides Helena da Silva, cidadã-samba de 1965 a 1970) sempre dizia que não queria virar boneco do Berbigão do Boca. Em 2011, ela virou. Houve resistência da família?
O caso da Nega Tide foi emblemático. Ela era e continua sendo a maior expressão individual do nosso Carnaval. É inesquecível. Eu tinha a função de negociar com ela o cachê como rainha hors concours, somado ao custo da fantasia que ela nem sempre confeccionava. Nesta longa e áspera negociação, ela sempre concluía dizendo, com um sorriso enraivecido: “oh, e te lembra… eu não quero virar boneco”. Eu respondia sempre: “então não morre!” Houve breve negociação com familiares dela para que fizéssemos a homenagem e intermediação de amigos comuns resolveu a questão. Ela foi cedo demais, faz uma falta enorme ao Berbigão do Boca e ao Carnaval de Florianópolis, e é sempre o boneco mais reconhecido e reverenciado.

Qual foi o boneco que mais deu trabalho para confeccionar?
Segundo o Allan Cardoso, nosso bonequeiro e coordenador da Ala dos Bonecos, ele não confecciona mais bonecos de “defunto novo”, porque ou trabalho para moldar o Aldírio Simões, que tinha falecido recentemente e se negava a tomar forma na argila, base para o molde. A cada toque na massa em que ele esculpia a cabeça de nosso manezinho-mor, a argila se movimentava, como que visando impedir que ele concluísse o trabalho. Foram dias de luta entre a massa que se solidificava e as necessárias intervenções do Allan para dar a aparência do homenageado. Hoje, ele está comportado e desfila garboso na sua eterna fantasia de árabe.

O concurso gastronômico veio junto com a criação da festa?
O concurso Prato de Berbigão surgiu há 14 anos, quando conversávamos com o Beto (Barreiros), do Box 32, nosso grande benemérito, pensando em incluir a gastronomia na festa, resgatando assim a culinária do nosso mais popular e barato (na época) fruto do mar. Da ideia veio a parceria com a Faculdade Senac de gastronomia, o que resultou num livro patrocinado pela Fecomércio, que mostra e descreve as receitas mais famosas da história do nosso festival gastronômico.

E o concurso da rainha?
O concurso surgiu com a evolução da festa. Nossa primeira rainha foi Patrícia Areias, que surgiu no primeiro ano do Berbigão do Boca, recém-chegada da praia, vestindo apenas um biquíni e uma canga. O sucesso foi tão grande que os turistas, majoritariamente argentinos, quase impediram o desfile do Arrastão do Berbigão. Ela permaneceu nossa rainha por seis anos e só saiu porque aconteceu um impedimento de ordem pessoal, momento em que amos a realizar a eleição.
O BeBo não é um bloco, mas uma grande festa que recebe todos os amantes do Carnaval de forma harmoniosa e apaziguada. O evento recuperou algo do Carnaval antigo da cidade que havia se perdido?
Com certeza, o Berbigão do Boca resgatou muito dos carnavais antigos. Desde o toque dos clarins anunciando o início do período de Momo, a música de carnavais antigos e das escolas de samba, a homenagem na figura do boneco a personalidades que construíram a nossa tradição carnavalesca, alegorias, alas de ex-rainhas, de musas de todos os carnavais. Mas há também toda uma gama de novas atrações, principalmente as que incluem nosso folclore e nossos usos e costumes, transformando assim o Berbigão do Boca numa festa da cidade, de suas tradições, motivo pelo qual foi tombado em 2011, transformando-se em Patrimônio Cultural Imaterial de Florianópolis.
