Quando se fala em referências negras que contribuíram para a história do País e do Estado de Santa Catarina, a gente lembra na hora de Antonieta de Barros e Cruz e Sousa. Além de serem pioneiros em suas áreas, política e literária, são nomes muito conhecidos aqui.
Mesmo assim, durante anos foram mantidos fora das narrativas dos livros estudantis. Hoje, existem lutas constantes para que nem Antonieta e nem Cruz e Sousa permaneçam anônimos nos registros históricos junto com outros ícones negros catarinenses.
Veja essa reportagem em vídeo na série da NDTV Record TV

Em 1901, nascia uma mulher que ficaria à frente do seu tempo: Antonieta de Barros. Filha de lavadeira, mergulhou completamente no universo dos livros e da educação. Este ano comemoramos os 120 anos da existência da mulher que foi muito mais do que a primeira mulher eleita do Brasil e também a primeira negra brasileira a assumir um mandato popular.
“Antonieta e sua irmã Leonor de Barros foram professoras, cada uma, de dois ex-governadores do estado de SC. Então vejam bem… quatro governantes aram pelas mãos de professoras negras. Tanto é que foi a própria Antonieta que criou o dia e feriado do professor”, conta a também professora e escritora Jeruse Romão sobre a história de Antonieta, que já virou até samba enredo da escola Consulado em 2020.
Vozes da Consciência: O que é ter consciência negra?
Antes de Antonieta nascia Cruz e Sousa, filho de escravos alforriados que fizeram de tudo para que ele tivesse uma educação refinada sob a tutela de seu ex-senhor. Letrado, o poeta combateu a escravidão e o preconceito racial em textos marcantes no jornal que dirigiu: o Tribuna Popular. Ele transformou em poesia seus dramas e angústias e hoje é considerado o maior representante do movimento literário Simbolismo no Brasil, inspirado no movimento que surgiu na França. Foi o precursor de uma extensa lista de intelectuais negros, entre eles a própria Antonieta.
Outro discípulo dele foi João Rosa Junior. A sua caminhada poética ocorreu após o agravamento de um glaucoma, o que o levou a ser conhecido como “o poeta cego” no meio cultural. Na mesma época surgiu Trajano Margarida, o poeta do povo, que além do reconhecimento popular pela publicação de diversos livros esteve à frente de renomadas associações literárias e foi orador e fundador do Figueirense Futebol Clube em meados de 1920, escrevendo inclusive o hino do time.
Lideranças negras 6o61s
No fim do século 19 e início do século 20, ficou bastante conhecida uma negra filha de escravos que moravam no Centro de Florianópolis. Nessa época, os morros não eram habitados e os negros moravam na área central. Respeitada pelo conhecimento de ervas medicinais e pela realização de benzeduras, seu nome foi emprestado para um dos mais modernos projetos arquitetônicos de SC da época, com seus mais de 15 mil metros quadrados: o terminal rodoviário Rita Maria.
Milhares de pessoas am todos os dias em frente à sua escultura sem conhecer a sua história. Rita Maria está emoldurada em ferro, ilustrando o pleno exercício da função: recebendo os poderes curativos do universo em uma mão e na outra apontando para quem recebia a benzedura.

Na música, a catarinense que se destacou e levou seu canto para fora do país foi Neide Maria Rosa, também conhecida como Neide Mariarrosa. A cantora, locutora e atriz de radionovela completaria 85 anos agora em 2021 se ainda estivesse viva. “A Neide era afilhada artística da Elizeth Cardoso. Quando a Elizeth veio para Florianópolis, convidou a Neide para ir ao Rio de Janeiro e ela foi.No Rio, pegou a época da Bossa Nova e se apresentou em festivais internacionais da canção. Convivia com Eli Regina, Jacob do Bandolim e a nata da cultura da época”, conta Maximiliano Rosa, irmão de Neide.
Outro exemplo que se destacou na arte foi Valda Costa. “Ela chegou a ser conhecida e nomeada como Portinari de SC. Tinha uma produção super consistente dentro de sua linguagem e produzia muito e com muita qualidade”, conta Marcelo Seixas, amigo de Valda.

Mesmo familiares não encontram facilmente relatos da sua história. Quem revelou isso foi Lucas Costa, filho mais novo de Valda: “Eu não tive muito contato mas, a partir do momento que eu escutei o nome dela eu tive vontade de ir atrás do restante da história. Então, a memória dela não vai sair nunca da minha cabeça”.

Na política há ainda quem veio de fora e criou raízes por aqui. Abdon Batista era natural de Salvador. Médico, jornalista e político brasileiro. Por aqui clinicou e depois fez carreira como parlamentar, sendo prefeito de ville, deputado estadual, deputado federal e senador. Atuou também como governador interino em 1906. Seu nome está eternizado no mapa catarinense, dando nome a uma cidade com cerca de 2500 habitantes. E, apesar de em algumas fotos ele aparecer com a pele clara, historiadores comprovam que Abdon Batista era negro.
E temos um destaque catarinense que décadas depois fez o caminho inverso. Saiu daqui para viver em Salvador e ganhar o mundo. Neusa Borges é natural de Florianópolis, nasceu no bairro Estreito. A estreia da artista foi na Record com a telenovela “Venha Ver o Sol na Estrada”, mas esse foi só o seu início. Neusa já soma mais de 60 anos de carreira com atuação em filmes, peças de teatro e novelas que viajam continentes atravessando fronteiras.

“Eu comecei muito cedo. Com sete anos eu já estava dando showzinho na escola. Mas é claro que a atriz só desabrochou mesmo do Vinicius de Moraes. Ele me disse ‘olha, você canta como ninguém, você dança como ninguém, mas dentro de vocês existe uma atriz tão grande que, quando desabrochar, você vai ser uma das maiores atrizes do Brasil’”, conta a própria Neusa Borges. Não foi a primeira e nem a última vez que o poeta Vinicius de Moraes esteve certo.
E esses são só alguns nomes que merecem destaque na nossa história e que não estão na maioria dos livros que contam nossa história. Poderíamos encher um jornal impresso inteiro com outros homens e mulheres negros que ajudaram a construir a história de Santa Catarina.
Histórias a serem detalhadas q5d54
Por exemplo, você já ouviu falar da professora Uda, que alfabetizou a maioria das comunidades centrais da Capital? No sul do Estado, o casal Clotildes e Vilson Lalau se destacou na Educação dando nome a escolas existentes até hoje. A Nega Tide é considerada a cidadã do samba hors concours. Ainda no carnaval temos Juventino João dos Santos Machado, que você deve conhecer como o “Nego Quirido” que deu nome ao complexo do samba no Centro de Florianópolis. E Solange Adão, professora renomada, artista plástica e escritora, além dos próprios entrevistados para a série Vozes da Consciência, destaques em suas áreas de atuação. Cada um deles tem história suficiente para preencher um livro com seus legados.
* Colaboraram Ana Assunção e Suzan Rodrigues
Capítulo 1 – Vozes da Consciência: O que é consciência negra?
Capítulo 2 – Essa reportagem que você leu aqui
Capítulo 3 – Influências negras vão das palavras até os pratos da gastronomia brasileira
Capítulo 4 – A segregação racial escondida por décadas em nossa história oficial
Capítulo 5 – Crescimento no empreendedorismo negro revela histórias de sucesso contra o preconceito
Especial: Homenagem em vídeo para o Dia da Consciência Negra