Na mesquita Al-Khalifa os muçulmanos oram direcionados para a ponte Hercílio Luz. Mas não por devoção à Velha Senhora. Curiosamente o principal cartão-postal de Florianópolis fica a nordeste, no “meio do caminho” de Caaba, em Meca. É tradição no islã que as orações sejam orientadas para a estrutura sagrada localizada na Arábia Saudita.
A imagem é simbólica: aberta ainda na pandemia, o prédio é a primeira estrutura própria da comunidade islâmica da Capital. A construção iniciou em 2011 e coroa os trabalhos da CIF (Centro Islâmico de Florianópolis), a maior entidade muçulmana da cidade e que celebrou 30 anos de fundação em janeiro.

A paisagem da ponte adentra o centro de orações da mesquita, que fica em uma região alta do bairro Coqueiros, na parte continental de Florianópolis. Dividida entre o espaço para a oração dos homens e o local para as mulheres rezarem – em filas verticais -, a sala é tomada por janelas e tapeçaria cujos traços remontam à origem árabe da religião.
O primeiro encontro ocorreu em dezembro de 2020. Antes a mesquita tinha como sede uma sala comercial na rua Felipe Schmidt. Além do espaço pequeno, a posição do edifício exigia que as orações ocorressem em filas diagonais (direcionados à Caaba) – o que restringia o espaço e dificultava principalmente a participação das mulheres e crianças.
Agora um dos focos é atrair justamente esse grupo ao novo espaço, detalha o sheik Amin Alkaram, líder religioso da entidade. Hoje mais de 500 muçulmanos (cerca de 120 famílias) vivem na cidade e estão vinculados ao Centro: número que cresceu quase 10 vezes desde a sua fundação em 1992, época em que a CIF contava com cerca de 50 membros.

Uma “sopa” de nacionalidades 6o6u1o
Apesar de compartilharem, além da direção da reza, o mesmo segmento do Islã (são todos são sunitas), os muçulmanos da Capital vêm dos mais diferentes países. A comunidade se tornou expressiva a partir de 1940, por meio “de processos imigratórios de países como o Líbano e a Síria nos anos 1940”, registra a pesquisadora Andréa Fátima Salvador.
No artigo publicado pelo programa de pós-graduação em História da Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina), Fátima ressalta que a inserção do islamismo era novidade para uma cidade constituída basicamente de indivíduos de origem europeia, africana e indígena. O comércio no Centro era a principal atividade econômica do grupo.
Até o fim dos anos 1980 os muçulmanos praticavam a religião de maneira privada. Os primeiros grupos foram formados a partir de 1990: dentre eles o Núcleo de Estudos e Defesa do Alcorão, que depois virou a CIF. Uma sala no edifício Dias Velho, também no Centro, ou a sediar os encontros e ser paga com a contribuição financeira dos frequentadores. O Cemitério Islâmico do Itacorubi foi o primeiro território da comunidade, adquirido em 2002.
A busca por uma mesquita ampla e em prédio próprio virou imperativo com o crescimento acentuado da comunidade a partir de 2008, quando os conflitos do Oriente Médio e África impulsionaram muçulmanos a escolher Florianópolis como endereço. Esse movimento contribui para o atual número de imigrantes ser maior que a quantidade dos nascidos aqui.
“Primeiro vieram africanos e depois árabes”, lembra Alkaram. Depois vieram libaneses, tunisianos, argelinos, marroquinos, entre outros. A CIF atuou também para receber e acolher os refugiados. A partir de 2017 a onda de imigração diminuiu.
“Aqui é uma sopa”, ilustra Alkaram, aos risos. Sírio, ele tem os traços do país de origem no sotaque. “A gente diferencia quem nasceu e se criou aqui, tem o português como língua-mãe e vieram aprender o árabe com os pais ou com o curso [a entidade ministra aulas desde 2008]”. Os imigrantes hoje são a maioria.
“Uma grande leva dos novos imigrantes casou aqui, teve filhos e a criança já está na escola. É um ciclo que se repete. O pessoal que nasceu aqui não tem aquela divisão de nacionalidade. ‘Eu sou árabe, nasci aqui e acabou’. Quem veio de lá já pensa ‘sou árabe, muçulmano e egípcio’. Existe essas diferenças”, afirma Alkaran.
A consolidação da mesquita 2c1x3i
As orações congregacionais, que reúnem a comunidade para a leitura do Alcorão, são realizadas nas noites de sexta-feira. A mesquita conta também com outros dois espaços: um salão de eventos e uma escola islâmica. O primeiro ainda não foi inaugurado por conta da pandemia e a última está em fase de construção.
A escola contará com o currículo escolar do MEC (Ministério da Educação) associado à formação religiosa do islamismo. Ela deverá ser a primeira do tipo em Santa Catarina, segundo Alkaram.
A estrutura do prédio já foi concluída e tem capacidade de atender até 250 alunos por turno. Ainda faltam a finalização dos acabamentos, mas não há previsão de conclusão.
A aquisição do terreno e a construção da mesquita foi iniciada em 2011 por meio da arrecadação com a comunidade e com incentivos do Banco de Desenvolvimento Islâmico. Erguer uma estrutura própria é uma das ideias que Alkaram trouxe quando chegou em Florianópolis, em 2001.
Na época ele tinha 40 anos e vinha de Lages. Ele foi a primeira liderança religiosa da comunidade, também com o papel de direcionar e aproximar a comunidade da tradição. “Queria conquistar um lugar próprio para a comunidade. O meu trabalho foi articular esses sonhos”, conclui.