Voluntários paulistas e atenção 24 horas: os cuidados com idosos em abrigo de Porto Alegre 3e6q66

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O Abrigo Emergencial 60+ é mantido pela sociedade civil e recebe idosos que possuem algum tipo de limitação

O número de pessoas em abrigos temporários vem diminuindo no Rio Grande do Sul. Logo no início da tragédia, na primeira semana de maio, o governo gaúcho chegou a contabilizar 79 mil pessoas acolhidas, número que reduziu quase pela metade até o último domingo (2), com a contagem de 37.328 abrigados.

abrigo de idosos em porto alegreO Abrigo Emergencial 60+ atende idosos acima dos 60 anos com complexidade níveis 2 e 3 – Foto: Vivian Leal/ND

Mas para uma parcela deste público, a permanência em espaços convencionais é mais complexa, seja por limitações físicas, de saúde ou sequelas obtidas ao longo da vida. Os idosos representam cerca de 10% da população em abrigos.

Apesar de serem um número relativamente baixo, os idosos possuem necessidades que demandam acompanhamento de um número maior de profissionais da área da saúde, como fisioterapeutas, cuidadores e enfermeiros.

Segundo dados do IBGE, 20,15% da população do estado tem 60 anos ou mais, o que torna o Rio Grande do Sul o estado mais envelhecido do país.

Neste contexto, a mobilização de um grupo de voluntários deu origem a um espaço voltado exclusivamente para o atendimento de idosos acima dos 60 anos, com complexidade níveis 2 e 3, que representam limitações causadas por acidente vascular cerebral, osteoporose, dor crônica, insuficiências renal, cardíaca e pulmonar, ou outros diagnósticos crônico-degenerativos.

“As pessoas que estão aqui já tinham sido resgatadas, suas vidas já tinham sido salvas, mas elas não estavam acomodadas de maneira adequada nos demais abrigos”, conta a voluntária Karen Garcia, que é especialista em longevidade.

doações para abrigo de idosos em porto alegreAs doações que o abrigo recebe são fundamentais para a manutenção do espaço, que conta com equipe médica especializada e atendimento 24 horas – Foto: Vivian Leal/ND

28 horas de viagem para auxiliar vítimas 6i2328

Mais de cem voluntários am, diariamente, pelo Abrigo 60+ e auxiliam em todo tipo de tarefa, desde a higiene e refeições, até a locomoção e ocupação dos acolhidos durante o dia.

Beatriz Scarpin é estudante do sexto ano de medicina, na UniSALESIANO Araçatuba, no interior de São Paulo. Ela viajou de ônibus, por 28 horas, para chegar ao Rio Grande do Sul e auxiliar nos cuidados com a população resgatada.

“Tivemos uma reunião com o reitor, sobre outro assunto, ele deu a ideia e foi instantâneo: não teve ninguém que duvidou. Todo mundo queria vir e a faculdade organizou tudo. Viemos em 37 pessoas e a gratidão deles nos mostra que fizemos a diferença”, conta a estudante.

voluntária beatriz assinando bonéBeatriz, estudante de medicina do sexto período, viajou por 28 horas de Araçatuba, no interior de São Paulo, até Porto Alegre para prestar auxílio às vitimas das enchentes – Foto: Vivian Leal/ND

Enfermeiros, médicos, psicóloga, veterinário e motoristas completam o time de paulistas, que se despede do estado após duas semanas de trabalho em solo gaúcho.

No abrigo, a Beatriz conheceu a história do senhor José de Oliveira, de 72 anos. O aposentado foi resgatado no bairro Humaitá, na zona norte da capital gaúcha, após perder a casa em uma enxurrada causada pela cheia do lago Guaíba.

“Ele chegou no primeiro dia e eu vi que ele precisava muito mais que o atendimento médico. Ele é uma pessoa muito orientada, direcionada. Foi mais essa questão de sentar e jogar um baralho, conversar. Isso, naquele momento, significava muito mais do que eu sentar e prescrever uma medicação pra ele”, compartilha Beatriz.

Para recomeçar a vida e a coleção c3t4x

O aposentado José de Oliveira depende da cadeira de rodas para se locomover há 24 anos, desde que foi baleado em uma tentativa de assalto. Vizinho da Arena do Grêmio, o aposentado estava em casa quando percebeu a água subindo.

senhor josé de oliveira, vítima das enchentes em porto alegreJosé de Oliveira, 72, é cadeirante há 24 anos e perdeu todos os seus bens com a enchente, incluindo uma coleção de 3 mil discos de vinil – Foto: Vivian Leal/ND

Um amigo o levou até um ginásio próximo, onde permaneceu por dois dias com as roupas molhadas, até ser encaminhado para o abrigo. “Eu perdi tudo, até a minha dentadura, que eu estava escovando os dentes, não deu nem tempo de pegar, deixei em cima da pia. Só saí com o celular porque estava com ele na mão, se não tinha perdido também”, afirma.

Em meio a uma partida de cacheta, ou pife para os gaúchos, o idoso relata que não acreditava que a enchente chegaria até a residência. No antigo endereço, além do ferro velho do qual era proprietário, ficaram as coleções que acumulou durante a vida, a maior delas, com três mil discos de vinil.

“Eu fui comprando, outros eu ganhava, tinha discos de qualquer música, tudo que tu quisesse ouvir, eu tinha. Eu gosto de música que você entenda, respeitosa. Eu estava escutando Teixeirinha hoje de madrugada”, conta o aposentado, que relata dificuldades para dormir.

A outra coleção, mais discreta, mas não menos importante, tinha cerca de trinta bonés, que ele foi ganhando de amigos e também adquiriu com o ar dos anos. A perda foi sentida, mas ele carrega na cabeça o presente que ganhou da voluntária, Beatriz, para recomeçar a coleção pelas próximas décadas que pretende viver.

“A minha mãe tem 102 anos e a minha avó morreu com 11. Eu estou com 72, então se durar mais uns vinte anos, está bom”, brinca.

Doações são fundamentais para acolhimento de idosos 23r4m

O abrigo fica em um prédio, concedido pela iniciativa privada, e deve funcionar pelo período de seis meses. São quarenta macas, cedidas pelo Asilo Padre Cacique, e colchões, que foram doados pelo Colégio Farroupilha, instituições que ficam em Porto Alegre.

Roupas de cama, vestuário, toalhas, itens de higiene e toda estrutura disponibilizada aos acolhidos vieram de doações de diversas regiões do país. As quatro refeições servidas, diariamente, para voluntários e acolhidos, são fornecidas pela Cozinha Solidária.

“Nós temos uma equipe que trabalha 24 horas no atendimento das pessoas, com médicos, enfermeiras, técnicos, cuidadores, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e toda estrutura istrativa por trás disso”, explica Karen, que também é uma das coordenadoras o espaço.

“Além de garantir uma boa estadia aqui, a gente também trabalha com o monitoramento da saúde dos idosos que se inscreveram pra vir pra cá e que a gente ainda não conseguiu trazer”, completa a coordenadora.

idosos e voluntários jogando pife no abrigoAlém do atendimento médico, a equipe também joga baralho com os idosos para ajudar a ar o tempo dentro do abrigo temporário – Foto: Vivian Leal/ND

Parte das doações destinadas ao Abrigo 60+ também são encaminhadas para outras Instituições de Longa Permanência para Idosos que foram atingidas pela catástrofe climática.

“Nosso desafio sendo sociedade civil, para sermos sustentáveis aqui pelos próximos seis meses, é muito grande. Então o nosso apelo é por doações, sejam recursos por Pix, recursos materiais e até humanos, para que a gente possa continuar dando esse atendimento dignos às pessoas e as LPIs”, pontua Karen.

Em Porto Alegre, 62 instituições do segmento tiveram prejuízos em decorrência das enchentes. No Rio Grande do Sul, o número chega a 224.