Quando as mulheres assumiram o direito de ir ao trabalho – para aquelas que não podiam- um novo desafio se impôs. Além da rotina nas escolas, empresas ou onde quer que estejam empregadas, as mulheres precisam cuidar das atividades domésticas. No geral, sem o apoio dos parceiros.

Mesmo com a maior responsabilidade doméstica recaindo sobre as mulheres, o cenário apresenta uma mudança lenta.
Em 2020, a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua), mostrou que o percentual de homens que compartilham o cuidado da casa e dos filhos ou de 71,9% para 78,6% entre 2016 e 2019.
Para comentar a jornada dupla e, algumas vezes, tripla de trabalho das mulheres, a Fiocruz entrevistou a psicóloga e pesquisadora Eliane Caldas, ligada à instituição através do Banco de Leite Humano do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira.
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Jornalista: Qual a sua opinião sobre a visão romântica da maternidade?
Eliane: A visão romântica da maternidade nos apresenta a ideia de que as mães são perfeitas, angelicais e santas. Essa visão, frequentemente, serve para favorecer uma opressão e ar a ideia de que ser mãe é a vontade de todas as mulheres.
No entanto, quando a mulher a a ser mãe, muitas vezes se encontra sozinha, para dar conta de sua vida e da vida de seus filhos, sem rede de apoio e até mesmo sem companheiro presente.
Jornalista: Como isso funciona na prática, principalmente para as mulheres que não contam com uma rede de apoio?
Eliane: A mulher/mãe, na sociedade complexa e industrial, não tem tempo para gerir a sua vida. São obrigações e mais obrigações para dar conta, e muitas vezes, ela assume sozinha os cuidados dos filhos que, por algumas situações, a afastam do mercado de trabalho e levam a uma responsabilidade pesada.
Para ser mãe é preciso querer muito. E sem rede de apoio a situação só piora. Mãe, além de carinho, amor e compaixão é também mulher que chora, sofre, reclama.
Mãe carrega nas costas dupla e tripla jornada. Se ser mãe é padecer no paraíso, há algo de errado, nem sempre visto e/ou negado socialmente. Nesse contexto, pelo menos por um minuto, as mulheres vão se arrepender de terem feito a escolha de um dia quererem ser mães.
Jornalista: Qual a importância do apoio familiar e da figura paterna no aleitamento materno?
Eliane: A figura paterna no aleitamento materno e o apoio familiar, quando se tem, serão holding para a mulher, que nesse momento também se torna um pouco infant, para entrar em sintonia com o seu bebê real.
Trata-se da chamada preocupação materna primária, conceito de Winnicott, que se refere ao estado psicológico da mãe, que tem início na gestação e estende-se às primeiras semanas após o parto.
Jornalista: Como essa família pode contribuir para que essa mulher se sinta acolhida, cuidada, após o nascimento do bebê, em especial, no puerpério?
Eliane: Essa família pode fazer a comida para a puérpera, pode limpar a casa, lavar e ar as roupas, tomando para si os afazeres diários da mulher. Enfim, deixar o ambiente satisfatório para que o binômio mãe e bebê possa viver um bom encontro.
Jornalista: Muitas mulheres enfrentam desafios/problemas no retorno ao trabalho, principalmente na conciliação trabalho X amamentação, devido à falta de apoio das empresas. Como você avalia essa questão? O que podemos fazer para que as instituições acolham essas mulheres sem que elas se sintam ameaçadas, sobretudo com uma possível demissão?
Eliane: Cada momento no processo da amamentação exige muito da força egóica da mulher. O bebê do puerpério é diferente do bebê de um mês, que difere daquele de três meses e do de seis meses e de um e dois anos.
Durante o processo de desenvolvimento, a mãe/mulher vai tendo que se adequar muito rápido a cada movimento do seu bebê, que cresce muito rápido e que não favorece zonas de conforto para sua mãe/cuidadora.
No retorno ao trabalho, muitas vezes a rotina continua sendo a mesma, mas para a mulher que teve seu filho(a), não! Ela se prepara para a volta e quer até continuar amamentando, mas lhe falta muito apoio.
São os colegas de trabalho que esperam que ela continue com o mesmo desempenho ou até mais por ter ficado de licença maternidade.
É a falta de uma sala de apoio à amamentação. É a falta de legislação que ampare essa mulher e favoreça também a todas as empresas amiga da mulher a ter benefícios ao apoiar a sua funcionária.
É a falta de boas creches para receberem as crianças enquanto a mãe trabalha, e que poderiam existir nas próprias empresas. Enquanto as mulheres forem vistas pelo parâmetro do trabalhador que não gesta, estaremos distantes da equidade frente à força do mercado de trabalho.
Mãe é mulher sobrecarregada. Cansada. Emocionalmente instável. Contraditória e em vários momentos sem a opção para ser diferente.