Santa Catarina tem 712.509 mulheres cadastradas no CadÚnico (Cadastro Único), segundo dados da SDE (Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável) contabilizados até janeiro deste ano. No mesmo período, 568.296 homens constam no registro.

A projeção do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para a população feminina de SC para 2022 é de 3,7 milhões. O dado do CadÚnico equivale a 19% do total de mulheres no Estado, com base nessa projeção.
O Cadastro Único é um conjunto de informações sobre as famílias brasileiras em situação de pobreza e extrema pobreza.
Podem se inscrever no Cadastro Único as famílias que possuem renda mensal por pessoa de até meio salário mínimo (R$ 606) e que possuem renda acima dessas, mas que estejam vinculadas ou querendo algum programa ou benefício que utilize o CadÚnico em suas concessões.
Essas informações são utilizadas pelo governo federal, pelos Estados e municípios para implementação de políticas públicas e é a principal porta de entrada para tentar participar de programas sociais, como o Auxílio Brasil.
Mariana Alves*, de 40 anos, é uma das 712 mil catarinenses cadastradas no CadÚnico. Ela mora com os dois filhos, um adolescente de 14 anos e uma menina de 10, no Morro do Mosquito, na Vargem do Bom Jesus, região Norte de Florianópolis. Além disso, ela é mãe de uma jovem de 23 anos e de um rapaz de 22.
Divorciada do marido desde que a filha pequena tinha menos de um mês de vida, Mariana é “mãe solo”, desempregada e vive com uma renda mensal de R$ 750.
O programa Auxílio Brasil fornece R$ 450 e R$ 350, é referente à pensão dos dois filhos caçulas. “Ele [marido] foi embora e eu me viro sozinha. Sempre foi assim”, revela.
Desemprego 5p54n
Mariana é natural de Videira, no Oeste catarinense, e mora em Florianópolis há oito anos. Ela conta que trabalhava como diarista antes de enfrentar o desemprego há cerca de dois anos.
A renda dependia da quantidade de faxinas ao mês, mas Mariana diz que chegou a ganhar entre R$ 3,5 mil e R$ 4 mil. No início da pandemia da Covid-19, ela deixou de trabalhar de forma autônoma e ou a integrar uma empresa terceirizada.
A diarista revela que há anos sofre de vertigem, que é um tipo de tontura em que há perda do equilíbrio do corpo. A situação piorou depois que ela foi diagnosticada com a Covid-19. “Fui afastada da empresa, perdi clientes que tinha e depois acabei ficando desempregada”, diz.
Mariana relata que, por vezes, consegue alguma faxina, mas não é o suficiente. Além disso, durante o desemprego, a diarista tentou ganhar uma renda extra produzindo e vendendo bolos. Contudo, o negócio acabou não indo para frente.
Filha mais velha enfrenta a mesma situação 573332
A filha mais velha de Mariana, de 23 anos, enfrenta a mesma situação que a mãe. Aline* está desempregada e a dificuldade para sustentar os três filhos pequenos, de 7 anos, 3 anos e oito meses.
A jovem se separou do marido recentemente e mora em uma casa próxima a da mãe. O outro filho de Mariana mora no Rio Grande do Sul.
Segundo a diarista, ela, a filha e tantas outras mulheres moradoras da mesma comunidade e que encaram o mesmo cenário de desemprego, sofrem discriminação ao tentar uma vaga de trabalho.
“As pessoas não veem as moradoras do morro como pessoas ‘normais’, trabalhadoras. Existe muito preconceito contra quem mora em comunidades de baixa renda”, analisa.
A família de Mariana complementa o sustento com doações. “Não estamos ando fome, mas enfrentamos muita dificuldade. A sorte é que sou querida pela comunidade e todo mundo ajuda como pode. Recebo cestas básicas e durante a pandemia, a própria escola das crianças também forneceu as cestas. Está muito difícil se recuperar”, conta.
A diarista se considera “muito humilde”, mas não deixa de tentar oferecer aos filhos uma boa alimentação. “Comer bem sempre foi a minha prioridade. No mercado eu compro o que é mais necessário para o dia a dia. Os supérfluos, a gente recebe de doações”, relata.
Efeitos da pandemia 4a1ze
A professora Teresa Kleba Lisboa, coordenadora do IEG (Instituto de Estudos de Gênero) da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), diz que os efeitos da pandemia têm assumido dimensões sem precedentes no mercado de trabalho brasileiro.
“Dados da PNADC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE, apontam que o último trimestre de 2020 fechou com mais de 10,8 milhões de pessoas fora da força de trabalho e quase 2,3 milhões de desocupados em relação ao mesmo período do ano anterior. As mulheres foram massivamente demitidas. Sete milhões perderam o emprego para dois milhões de homens, neste período”, apresenta.
Kleba Lisboa narra que as mulheres se destacam em atividades relacionadas aos cuidados na saúde, na educação, nos serviços sociais e nos trabalhos domésticos remunerados, setores econômicos que respondem por quase 80% da mão de obra feminina no mundo do trabalho
“Ao demitir massivamente as mulheres, a pandemia provocou fome, pobreza e miséria junto às famílias brasileiras, e explicitou a necessidade de uma política de cuidados, justamente pelo fato dos cuidados estarem a cargo das mulheres”, avalia a professora.
Fatores que levam mulheres à pobreza 92150
A coordenadora do IEG elenca alguns fatores que levam as mulheres à pobreza e à vulnerabilidade, entre eles, o abandono sofrido por elas pelos cônjuges, companheiros ou maridos.
“Mais de 30% de famílias são chefiadas por mulheres no Brasil, ou seja, muitas ‘mães solo’ não têm condições de sustentar suas famílias somente com um salário mínimo, sendo que muitas vezes, seus proventos nem chegam a isto”, aponta.
Além disso, a professora ressalta as situações de violência pelas quais am muitas mulheres: violência física, psicológica, patrimonial, entre outras.
“Mulheres em situação de violência faltam ao trabalho por motivos de doença, são despedidas sem justa causa, padecem de sofrimentos psíquicos como depressão, angústia, ansiedade, dependência química de álcool e drogas, indo parar até mesmo, em situação de rua”, complementa.
A professora universitária diz, ainda, que há um aumento significativo do número de mulheres imigrantes em Florianópolis, sobretudo, haitianas e venezuelanas, que saem de seus países de origem por motivos de pobreza, violência e miséria.
Ao chegarem no Brasil, a única alternativa é morar nas comunidades de periferia aguardando oportunidades de emprego e ocupação remunerada.
Falta de políticas públicas que garantam os direitos das mulheres é outro fator citado pela professora. Entre elas estão:
- Creche em tempo integral para os filhos para que as mulheres possam assumir um emprego e cumprir com a jornada de trabalho;
- Cursos de capacitação para que possam se aperfeiçoar e assumir vagas de trabalho qualificadas;
- Moradia digna para que possam sair diariamente para o trabalho tendo a certeza que seus filhos e demais familiares estão em segurança;
- o à educação para as mulheres e para os seus filhos, para que possam alcançar um nível de instrução mínimo e responder as exigências do mercado de trabalho;
- o à saúde integral para si e para os filhos, principalmente em época de pandemia.
“Para que as mulheres possam sair da pobreza elas devem ter garantia de trabalho e emprego para que possam ter uma Renda Mínima para a sobrevivência”, conclui Kleba Lisboa.
Política Estadual para as Mulheres 5ot3o
A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico e Sustentável informou, por meio de nota, que a GEMDH (Gerência de Políticas para Mulheres e Direitos Humanos) busca formular uma Política Estadual para as Mulheres propondo e acompanhando programas e/ou serviços no âmbito da istração estadual que vise garantir seus direitos e resguardá-las de toda forma de discriminação e violência.
A pasta afirma ainda que para efetivar as ações, a GEMDH busca propor acordos e adesão de contratos com outros órgãos da istração direta e indireta, além de integrar parcerias com o poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e outras áreas como Segurança Pública, Assistência Social, Saúde, Educação, Habitação e trabalho.
“Para isso, além de planejar, propor e efetivar as ações, trabalha na obtenção de informações e dados que possam subsidiar o planejamento para o aprimoramento dessa política”, completa.
Entre as ações promovidas pela Secretaria estão a Campanha 8 de março; Campanha agosto Lilás; Maria da Penha vai à Escola; Pacto Estadual Maria da Penha; Projeto Unidades Móveis Mulheres e Cidadania.
*Os nomes foram alterados a pedido da entrevistada