A tentativa de extinguir a escravidão iniciou em 1850 com a Lei Eusébio de Queirós, que proibia a entrada de escravos no Brasil. Veio a Lei Áurea e, mesmo livres, os negros não podiam frequentar lugares comuns. Eram ignorados ou proibidos. Negros e brancos não ocupavam os mesmos espaços públicos. Com a intenção de garantir que os direitos mínimos dos recém libertos fossem mantidos, em meados de 1900 começaram a surgir espaços literários, culturais e religiosos por iniciativa das próprias populações negras.
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Os registros são poucos, mas no livro Africanidades Catarinenses existem fotos de diferentes épocas sobre essas manifestações. O Centro Catarinense de Letras, criado em 1925, democratizou o o à leitura para a população negra, por exemplo.

O Centro Cívico Cruz e Sousa, de Lages, é um dos mais antigos. Foi fundado em 1918 e existe até hoje. Mas existem outros espalhados por todo o estado. O Kênia Clube em ville, o Primeiro de Maio em Tubarão, o Sebastião Lucas em Itajaí, o União Operária de Laguna e o União Operária de Criciúma também.
“Esses grupos negros tiveram que se organizar e se constituir como seus próprios espaços de memória da história, de lutas trabalhistas e de sociabilidade – porque a vida não se faz só de lutas”, conta a historiadora Carina Santiago dos Santos.

Na Capital, os mais conhecidos clubes negros da época foram o 25 de Dezembro, no bairro Agronômica, fechado desde 2013, e o Novo Horizonte, na Avenida Beira-Mar Norte, que realiza eventos até hoje. O Carnaval era a única festividade da época que rompia essa separação de negros e brancos.

Irmandades religiosas 364yf
Na época de escravidão, a população negra era proibida de cultuar os seus deuses. Por isso, surgiram aqui no País as irmandades religiosas, com destaque para as de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.
Segundo historiadores, a escolha por Nossa Senhora do Rosário tem dois motivos que chamam bastante atenção: o primeiro é o fato dela ter contato com Baltazar, o rei mago africano que visitou o menino Jesus na manjedoura, e o segundo estaria na mão da santa, por ela parecer segurar patuás. O patuá é um amuleto muito utilizado por pessoas ligadas ao Candomblé, feito de um pequeno pedaço de tecido na cor correspondente ao Orixá.
Em pelo menos três municípios catarinenses há registros dessas irmandades negras: Lages, Laguna e aqui na Capital. Seus principais objetivos eram promover um funeral digno e zelar pelo futuro dos órfãos.
Em Florianópolis, a Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito foi construída por uma irmandade. A igreja com estilo barroco foi criada em 1785 e ainda preserva muitas de suas características de origem mesmo no alto de seus 236 anos.

Nas instituições de ensino superior, após o sistema de cotas, o número de negros universitários aumentou mas ainda é significativamente menor do que os demais estudantes. Dados do IBGE mostram que em SC, em 2016, eram 34% de estudantes brancos e 18% de negros – no ultimo censo feito em 2019 já tinhamos a marca um pouco mais equilibrada, de 37% de brancos e 24% de pretos ou pardos.
“Geralmente todos os cursos tem um coletivo para trazer a realidade dos estudantes negros dentro da universidade federal. Porque não é só ar… permanecer dentro da universidade pública ainda é um desafio”, conta Chaiane Guterres da Silva, do coletivo Negro Magali da Universidade Federal de Santa Catarina, destacando as dificuldades enfrentadas para conseguir permanecer em uma nova cidade para estudar.
Na cultura, também encontramos espaços onde as raízes africanas são valorizadas. A Feira Afro na Capital é um exemplo disso. Outro, a editora Cruz e Sousa, que auxilia no reconhecimento de escritores e personagens negros de nossa história.
No último episódio na série 4929
Inclusão social, empoderamento, conquistas. Realidades que já fazem parte do dia a dia da pessoa negra. As dificuldades ainda existem, mas já temos referências em inúmeros setores. Negros em movimento. São carreiras de sucesso, da sala de aulas para os fóruns, dos campos de futebol para os laudos médicos, do morro para o mundo. Na próxima reportagem você vai ver que mesmo com um desequilíbrio salarial entre brancos e negros, o mercado se abre para histórias de sucesso.
* Colaboraram Ana Assunção e Suzan Rodrigues
Capítulo 1 – Vozes da Consciência: O que é consciência negra?
Capítulo 3 – Influências negras vão das palavras até os pratos da gastronomia brasileira
Capítulo 4 – Essa reportagem que você acabou de ler aqui
Capítulo 5 – Crescimento no empreendedorismo negro revela histórias de sucesso contra o preconceito
Especial: Homenagem em vídeo para o Dia da Consciência Negra