O Império do Divino é uma festa móvel, que se renova todos os anos, 40 dias depois do Domingo da Ressurreição. Estabelecida em Portugal no século XIV pela Rainha D. Isabel, a festa chegou ao Brasil no século XVI, desfrutando de um imenso prestígio.
Criança ou adulto, o “Imperador do Divino” escolhido para presidir o “Império” gozava de direitos majestáticos. Em certos municípios de Portugal e do Brasil, esses poderes incluíam a libertação de presos comuns.

Teria nascido aí a nossa proverbial leniência, no que diz respeito ao cumprimento das leis e das penas?
Em Floripa, a festa ainda resiste nas “freguesias”, onde, pelos preâmbulos de junho, acontecem as missas cantadas, as procissões, os leilões de prendas e a exibição dos autos tradicionais.
De todos os eventos do “Divino”, o mais esperado era o que se derramava pelos jardins da Praça Getúlio Vargas – a dos Bombeiros. As “Barraquinhas do Divino” rivalizavam – num contexto muito mais popular – com os “Bailes Brancos” do Doze ou com as “soirées” do Lira, servindo de arela para os namoros e flertes, e de plataforma de lançamento de noivados, ao som das ofertas do alto-falante, sublinhadas como “prova de amor e carinho”.
Glutões preferiam namorar um “bacorinho” – leitãozinho-mamão assado no espeto, recheado de farofas – como registrou o historiador da cidade, Oswaldo Cabral:
– Os velhotes gulosos não tiravam os olhos dos leitões assados, que se apresentavam em salvas de papel recortado, com um ovo entre os dentes arreganhados e duas azeitonas pretas no buraco dos olhos, tudo cercado e “empalitado” de rodelas de limão…
Os pagadores de promessa encomendavam aos padeiros do Divino pães no formato de algum órgão humano, abençoado pelo milagre da cura:
-Havia pães imitando todos os membros e órgãos, mãos, pernas, pés, cabeças, braços e seios…
Daí vieram expressões correntes nas padarias, como o “pão de bico”. Pães irresistíveis, de uma caprichada “pâtisserie” caseira. Massas fofas, macias, bem sovadas e temperadas com noz moscada, cravos, canelas, as, amêndoas, raspas de casca de limão. As formas eram inspiradas pela gratidão dos que haviam alcançado alguma graça.
Graça, mesmo, no sentido histriônico, era ouvir algum circunspecto “pai de família” ordenando à balconista:
-Três “bundinhas” e um “peito”, por favor!