Nossa biblioteca pública da Capital está completando 168 anos de vida – longeva e bela existência – e, apesar dos pesares das também longas temporadas de semi-abandono, é o caso de acender-se as velinhas e cortar-se a torta da cultura.
Houve uma época, antes e depois do Renascimento e do Iluminismo, que os Estados e os governantes se esmeravam em organizar grandes bibliotecas, assim entendida a reunião dos livros (“biblos”) um espaço próprio para sua estocagem, “theke”, ou “o depósito”.

Júlio César morreu assassinado, em 44 AC., antes de construir uma grande biblioteca romana, consumada por Trajano, a “Úlpia”, no século II depois do Redentor. Mesmo durante a treva da Idade Média, os livros jamais ficaram órfãos. Justiniano ergueu bibliotecas bizantinas no Cairo, em Bagdá e em Bassora. Na Espanha muçulmana, ficaram famosas as de Córdoba, Granada e Toledo. Na Renascença, consolidaram-se as Bibliotecas Real, na França, e a Escorial, na Espanha. Na Itália, ganharam posteridade a Marciana e a Laurenciana, de Florença – e a Vaticana, às margens do rio Tibre, na Cidade Eterna.
Tão zelosas de seus livros eram as comunidades renascentistas que se tornou notável a advertência, inscrita na biblioteca do mosteiro de São Pedro, em Barcelona:
– “Para aquele que rouba ou toma emprestado e não devolve um livro de seu dono, que o livro se transforme em serpente em suas mãos e o envenene. Que as traças corroam suas entranhas como o Verme que não morreu. E quando for ao julgamento final, que as chamas do Inferno o consumam para sempre”.
No século XX, não houve regime, iluminista ou obscurantista, que não cultivasse as suas bibliotecas, das quais são paradigmas a do Museu Britânico, a da Academia sa, a do Congresso dos EUA, a de Lênin e a do Museu Hermitage.
Para os livros, nunca houve Idade Média. Conta a lenda que, de tão afeiçoado aos seus livros, um Grão-Vizir da Pérsia carregava todos os seus volumes quando viajava. Acomodava sua biblioteca em quatrocentos camelos, treinados para andar em ordem alfabética…
Ninguém menos que Maquiavel, com sua fama de pensador sofisticado (embora tido como “gênio do mal”), ao ponto de haver-se cunhado a expressão “maquiavélico” para expressar “sagacidade”, refere-se aos livros como a um benfeitor:
– “Chegada a noite, volto à casa e dispo a roupa cotidiana. Sou recebido por sábios e me alimento de sua generosa comida. Com sua bondade, eles respondem a todas as minhas dúvidas. E durante horas não sinto tédio algum, esqueço-me de toda ansiedade; não temo a pobreza, nem a morte me assusta. Transfiro para os livros todo o meu ser. E vivo na paz dos que sabem”.