Peças de teatro e gravação de filme: relembre os ‘rastros’ de Zé Celso em Florianópolis 2j5o5f

Dramaturgo que morreu na última quinta-feira (6) em São Paulo deixou seu nome através de suas obras por todo o Brasil, inclusive em Florianópolis 6ok6w

O que José Celso Martinez Corrêa, o grande dramaturgo brasileiro que morreu na quinta-feira (6) em São Paulo, tem a ver com Florianópolis?  Para começar, ele trouxe a peça “Galileu Galilei”, de Bertolt Brecht, para o TAC (Teatro Álvaro de Carvalho), em 1969.

O diretor teatral e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, 86 anos, morreu na última quinta-feira Foto: José Celso Martinez/Instagram – Foto: Divulgação/NDO diretor teatral e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, 86 anos, morreu na última quinta-feira Foto: José Celso Martinez/Instagram – Foto: Divulgação/ND

Essa foi uma das grandes montagens do Teatro Oficina, grupo que revolucionou a arte de representar, influenciando o trabalho e a carreira de milhares de atores e atrizes pelo país a fora.

Mais de 60 personagens se revezavam no palco, mobilizando uma equipe de 29 pessoas e um elenco que tinha, entre outros, nomes como Renato Borghi, Ítala Nandi, Othon Bastos, Otávio Augusto e Cláudio Corrêa e Castro.

A atriz carioca Margarida Baird, radicada há quase 40 anos na Ilha de Santa Catarina, também fazia parte do espetáculo. Cláudio Morais, ex-diretor e iluminador do TAC, foi cicerone de Zé Celso e afirma, categórico: “Ele foi um gênio que renovou o teatro no Brasil”.

Quando chegou para fazer o filme “Prata Palomares”, um ano depois, a influência do Oficina, comandado por Zé Celso, não se limitou ao campo da arte – há quem diga que ali a capital catarinense perdeu para sempre a inocência que lhe restava.

Cena do filme Prata Palomares – Foto: Divulgação/NDCena do filme Prata Palomares – Foto: Divulgação/ND

A imprensa nacional anunciava a produção como um movimento capaz de transformar Florianópolis numa Hollywood dos trópicos.

Os cenários eram belíssimos – as dunas da Joaquina e a igreja da Lagoa da Conceição concentraram a maior parte das locações. Cerca de 30 mil pessoas interromperam o que estavam fazendo para acompanhar as ações do elenco, a preparação das tomadas, o deslocamento das equipes e da parafernália técnica de um lado para outro da Ilha.

No entanto, aos poucos, a pacata cidade foi acordando para a ousadia e a irreverência daquele “bando de loucos”, como alguém chegou a definir a trupe do Oficina.

Cenas de sexo na igreja da Lagoa, uma missa pagã nas pedras da Joaquina e um banho de sangue na piscina do extinto Santa Catarina Country Clube, na Agronômica, foram demais para muitas famílias, para figuras do clero e para autoridades militares, em plena ditadura – o enredo do filme propunha a guerrilha como ferramenta de combate a qualquer regime de opressão.

Além disso, Ítala Nandi aparecia com seios à mostra na igreja onde foi realizada uma parte das filmagens – e há quem jure tê-la visto desfilar assim na rua Felipe Schmidt, na área central da cidade.

“Eles eram movidos a droga”, disse o jornalista Mauro Júlio Amorim (falecido em 2016), que como animador cultural e funcionário público moveu mundos e fundos para viabilizar o trabalho da equipe de José Celso Martinez Corrêa.

A equipe do Oficina ficou pelo menos quatro meses na cidade, o suficiente para deixar pegadas que podem ser vistas ainda hoje. “Ali, a Ilha se abriu para o mundo”, afirmou Mauro Amorim em 2011 ao ND, falando de “Prata Palomares”.

Cenário de Prata Palomares – Foto: Divulgação/NDCenário de Prata Palomares – Foto: Divulgação/ND

Além do elenco do Oficina, atuaram no filme o ator florianopolitano Waldir Brazil e a escultora blumenauense Elke Hering. “Tinha uma cultura inigualável”, diz ex-diretor do TAC.

Nada do que aconteceu durante as filmagens de “Prata Palomares” diminuiu o prestígio e o respeito que Zé Celso, como era conhecido o diretor, granjeou na cidade.

“Tinha uma cultura inigualável, sabia o que dizia e mantinha os pés no chão, apesar de seu jeito de louco”, diz Cláudio Morais, ex-diretor do TAC, que acompanhou a realização do filme e fez a iluminação de “Galileu Galilei”, em 1969.

“Não era um ator e diretor comum, cuidava da cenografia, do som, da iluminação e opinava sobre tudo”.

Nas andanças, Cláudio Morais foi descobrindo a simplicidade por trás da grande bagagem cultural do dramaturgo. Lembra de tê-lo levado até a Praia Mole, onde ele chegou com duas latas de leite condensado, que foi tomando aos poucos. Gostava ficar sozinho, era contundente no que dizia e podia trabalhar 24 horas por dia, se fosse necessário.

“De uma palavra, ele fazia um texto ou um espetáculo”, diz Morais. Quando perguntado sobre esse talento, Zé Celso afirmava: “De uma poesia faço uma guerra”.

Durante as filmagens de “Prata Palomares” (Zé Celso estava em excursão pela Europa), houve desentendimentos entre o diretor do filme, André Farias, Jr., e o casal Julian Beck e Judith Molina, do Living Theatre, movimento experimental de teatro nascido nos Estados Unidos, que foram convidados para participar da produção.

Alguns analistas da história do Oficina apostam que ali o grupo começou a se desfazer, ressurgindo só mais tarde com outra equipe, embora ainda sob a liderança de Zé Celso e Renato Borghi.

Um período de efervescência teatral em Florianópolis 4p1j6b

A virada da década de 1960 para os anos 1970 foi de muita efervescência para as artes cênicas em Santa Catarina, nem tanto pela produção do movimento teatral local, mas pela presença, nas casas de espetáculos, de montagens que ficaram na história.

Nos chamados “anos de ouro”, o teatro de vanguarda enfrentava a censura e afrontava o regime. Até então, as iniciativas mais ousadas na Ilha haviam partido do TEU (Teatro Experimental Universitário), que reunia figuras como Murilo Pirajá Martins, Iara Pedrosa, o escritor Miro Morais e os jornalistas Beto Stodieck e Sérgio Lino.

O palco do Teatro Álvaro de Carvalho, sempre elogiado por sua concepção e acústica privilegiada, era onde as companhias de fora se apresentavam.

A partir de 1965, o próprio Oficina trouxe “Os pequenos burgueses”, de Maximo Gorki, que foi o primeiro trabalho de palco do ator Raul Cortez. Depois chegou a peça “Liberdade, liberdade”, de Flávio Rangel e Millôr Fernandes, que mexia com as mazelas do país e, mesmo com muitos cortes, foi levada aos palcos, reforçada por um elenco onde figuravam Paulo Autran, Tereza Rachel e Claudio Mamberti.

Naquele período, o TAC também recebeu “Um grito parado no ar” (de Giansco Guarnieri), “Navalha na carne”, “Quando as máquinas param” (ambas de Plínio Marcos), “Esperando Godot” (Samuel Becket), “Morte e vida severina” (João Cabral de Melo Neto), “O burguês fidalgo” (Molière) e “A morte do caixeiro viajante” (Arthur Miller).

Não há registro da vinda de “O rei da vela” (de Oswald de Andrade), montagem icônica do Teatro Oficina em 1967, que também teve problemas com a censura. Mas a cidade recebeu o musical “Hair” (Gerome Rado e James Ragni) e as clássicas “Otelo” e “Macbeth”, de Shakespeare.

No caso de “Galileu Galilei”, do Teatro Oficina, os jornais da época e quem teve a oportunidade de assistir dão conta de que as sessões no TAC eram aplaudidas de pé pela plateia – formada prioritariamente por estudantes – e que os atores precisavam voltar várias vezes ao palco por causa da ovação do público.

Já o filme “Prata Palomares” foi censurado durante mais de seis anos e quando veio a liberação a cópia estava totalmente mutilada pelos censores. A atriz Ítala Nandi, que fazia a Madona na trama, saiu do Brasil com uma versão clandestina, mas não conseguiu inscrever o filme no Festival de Cannes, como desejava.

A história se baseava em fatos verídicos, mas ganhou o tom revolucionário com o Oficina. Era sobre uma família aristocrática que muda de rumo quando chegam ao vilarejo dois guerrilheiros que acreditam no fanatismo religioso como solução para os problemas sociais e políticos da comunidade.

“Ele marcou minha vida”, afirma atriz dirigida pelo artista 2d371h

A atriz Margarida Baird, que desde 2013 dirige o Círculo Artístico Teodora, no Sul da Ilha, foi dirigida por José Celso Martinez Corrêa em “Galileu Galilei”, “Na selva das cidades” (Bertolt Brcht) e “Roda viva”, peça de Chico Buarque que ficou marcada, na montagem do Teatro Ruth Escolar, em São Paulo, pela invasão dos camarins pelo Comando de Caça aos Comunistas.

Depois de se afastar temporariamente do teatro para criar a filha, e após se mudar para Florianópolis, Margarida teve contatos esparsos com o dramaturgo e diretor, mas guarda dele as melhores lembranças.

“Zé Celso tinha a capacidade de ir até as entranhas para conseguir o que queria dos atores e atrizes, e alguns deles tinham até certo medo dessa experiência”, conta Margarida, que subiu no palco do Teatro Álvaro de Carvalho pela primeira vez com “Galileu”.

Quando foi assistir à última montagem de “Roda viva”, um pouco antes da pandemia, o elenco do Teatro Oficina fez uma homenagem a Margarida Baird, em São Paulo. “Ele mudava a atmosfera dos lugares onde chegava”, diz ela.

“Não era de gritar, e a preparação de cada montagem era muito intensa. Ter sido dirigida por ele marcou minha vida. Assim como eu, ninguém ou incólume pelas mãos de Zé Celso. Essa perda é muito doída, porque ele transformava tudo por onde ava. Espero que o Oficina continue firme, pelo que já fez em mais de 50 anos de carreira”.

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