As fases de penúria que marcaram a vida de muitas gerações nos Açores deixaram sequelas e forçaram os moradores a emigrarem para outros países e continentes, mas atualmente as ilhas de onde partiram as primeiras famílias em direção a Santa Catarina, em meados do século 18, exibem um elevado grau de prosperidade. Tradicionalmente agrícola, o arquipélago é ainda hoje um polo produtor de grãos, porém essa atividade rivaliza com a pecuária, a pesca e a indústria como fontes de geração de renda e empregos. Um dos lugares mais seguros do mundo, os Açores são uma boa opção para investir e empreender, como há tempos vem ocorrendo em Portugal continental.
O comércio, a construção civil e os transportes também respondem por uma fatia significativa da produção de riquezas, mas poucos setores cresceram tanto quanto o turismo nas ilhas, que atraem milhares de europeus, em especial do norte do continente, além de americanos e canadenses, pois foi para a América do Norte que emigraram muitos ilhéus a partir da metade do século ado. E há visitantes que optaram por abrir negócios no arquipélago, onde o PIB (Produto Interno Bruto) per capita alcança os 18 mil euros – o equivalente a 67% do PIB europeu.

Presente na semana ada em Florianópolis, onde participou do Workshop Internacional Turismo & Negócios, promovido pelo Grupo ND, o presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada, capital istrativa da Região Autônoma dos Açores, Mário Fortuna, é um estudioso da economia do arquipélago. Ele diz que depois que Portugal aderiu à União Europeia, em 1986, os Açores não pararam de crescer, a ponto de todas as nove ilhas terem seu porto e aeroporto e a infraestrutura rodoviária ser tão boa quanto no continente europeu.
Em entrevista concedida ao programa Conexão ND, Fortuna destacou a presença forte dos laticínios açorianos em Portugal continental e na Europa. “Temos 2,4% da área e da população portuguesa, mas respondemos por 30% do leite e 60% dos queijos produzidos no país”, disse ele. “A nossa manteiga é consumida em Angola, um ex-colônia de Portugal, e exportamos peixes para Espanha, Itália e Estados Unidos”.
Os vinhos açorianos são outro item de exportação, porque o solo vulcânico do arquipélago se presta à produção de excelentes marcas. O terroir é único e as vinhas são plantadas nas fendas das rochas, compondo um cenário que é comum na ilha do Pico, de atividade vulcânica mais recente, mas também em São Miguel e na Terceira. O Pico, aliás, é uma das duas regiões de vinho de Portugal que são Patrimônio Mundial da Unesco – a outra é o Douro. Os vinhos dessa ilha icônica têm longa história e já eram apreciados pelos papas e pelos czares da Rússia, que reinaram entre os séculos 16 e 20.

Bons queijos, peixes frescos e chá orgânico para o mundo
Nos Açores, há cerca de 250 mil vacas, para uma população de 240 mil pessoas. Não é por acaso, portanto, que os laticínios e os queijos especiais do arquipélago sejam consumidos em quase toda a Europa, nos Estados Unidos e no Canadá. A propaganda oficial das ilhas vende a imagem das “vacas felizes”, que são criadas em pastagens, longe dos currais, e devolvem a regalia em insumos considerados gourmets para os produtores. A ilha do Pico, no grupo central, tem uma tradição de 500 anos na fabricação de queijos de boa qualidade.
Peixes frescos e em conserva também são apreciados fora do arquipélago. A gastronomia reserva uma enorme quantidade de temperos que dão à comida açoriana um sabor especial. E há o chá, que há quase um século e meio é produzido na ilha de São Miguel mantendo as tradições originais do Oriente. O produto é vendido até no Japão, e o Brasil é um dos muitos países que apreciam o chá açoriano. Só a marca Gorreana produz 33 toneladas por ano, nas opções preto e verde, dentro de um processo orgânico livre de pesticidas, corantes e conservantes.

Na agricultura, a produtividade é três vezes maior que em Portugal continental, graças ao clima semitropical e à tradição de cultivo do trigo, por exemplo, que os açorianos tentaram trazer para o Sul do Brasil – sem sucesso, pelas particularidades climáticas e de solo locais. Também vicejaram nas ilhas a cultura do ananás, a produção de açúcar de beterraba e de suco de laranja. A caça à baleia representou um ciclo econômico importante, com a participação de grandes operados norte-americanos, mas a prática foi abolida no final da década de 1980.
Um bom lugar para investir e empreender
Situados no Atlântico norte, a meio caminho entre a Europa e os Estados Unidos e Canadá, os Açores chamam a atenção por terem um clima estável (dificilmente abaixo de 14 e acima de 24 graus) e exibirem paisagens deslumbrantes. Nem os eventuais abalos de pequena monta e a vista do mar borbulhando, em alguns pontos da orla das ilhas (fruto da ação sísmica característica da região), tiram a tranquilidade dos moradores. No Workshop Internacional Turismo & Negócios, o presidente da Câmara Municipal de Velas (ilha de São Jorge), Luís Virgílio de Souza da Silveira, afirmou que as ilhas são “o melhor destino de aventura da Europa” e “um dos principais destinos de sustentabilidade ambiental do mundo”.

Esses diferenciais têm atraído tanto os turistas europeus e americanos quanto estrangeiros de diferentes origens dispostos a investir em pequenos negócios no arquipélago. Em alguns casos, eles chegam como visitantes e decidem ficar, ou retornam após algum tempo com projetos capazes de garantir sua sobrevivência como moradores das ilhas. É possível encontrar ali moradores falando idiomas africanos ou do leste e norte da Europa.
O presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada, Mário Fortuna, diz que as pessoas interessadas em investir nos Açores devem levar em consideração que o arquipélago está na Europa. Ou seja, estando no arquipélago ou em Portugal, o investidor já colocou um pé no cobiçado mercado do Velho Continente. A burocracia e o sistema de fiscalização são menos severos que a média europeia, e os deslocamentos são hoje facilitados pela presença de meia dúzia de companhias aéreas que operam ali, fazendo com que em cinco horas de voo se chegue a Boston, Nova York ou às principais capitais da Europa.
A segurança é sempre destacada como uma marca dos Açores, até porque as ilhas fazem parte de Portugal, considerado o sexto país mais seguro, segundo o Global Peace Index 2022. Na intervenção que fez no workshop da semana ada, o presidente da Câmara Municipal de Velas, Luís Virgílio da Silveira, disse que sua família não tranca as portas da casa à noite e que ele costuma deixar as chaves do carro na ignição. A ilha de São Jorge, onde mora, tem pouco mais de 9 mil habitantes e é composta por 11 pequenas freguesias à beira-mar.
E MAIS…
- Um ponto levantado em todos os encontros envolvendo a Ilha de Santa Catarina e os Açores é a criação de uma rota aérea ligando Florianópolis a Lisboa. Seria uma forma de encurtar a distância e reduzir o tempo de deslocamento entre os dois pontos. As negociações estão em curso e o trade turístico catarinense acredita que em 2023 haverá uma definição para essa demanda.
- A cidade de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, entrou na rota dos navios de cruzeiro que operam no Atlântico Norte. A previsão é fechar a temporada de 2022 com 200 navios ando pela cidade. Ponta Delgada concorre ao título de Capital Europeia da Cultura no ano de 2027.
- A observação de golfinhos, baleias e tubarões, em especial na ilha do Pico, tem se tornado uma das atrações nos Açores. Visitas a vulcões extintos, grutas, lagoas, termas e fumarolas, além das trilhas pelas muitas montanhas do arquipélago, atraem cada vez mais turistas europeus e americanos.
- Os moradores das ilhas sempre foram muito religiosos, e o culto ao Divino Espírito Santo é a principal marca dos açorianos que se espalharam pelo mundo. Cada ilha tem suas festas, santuários, ritos e tradições. As romarias são comuns e, na ilha Terceira, as festas sanjoaninas (de São João) se tornaram uma das manifestações mais representativas da cultura popular do arquipélago.
- Os doces são um capítulo à parte na gastronomia das ilhas, com pontos em comum e diferenciais entre si. Neste item, aparecem os suspiros, as rosquilhas de aguardente, as queijadas, os bolos, as cavacas, as ferraduras e os pastéis de arroz.
- As ilhas têm um vínculo ancestral com o mar e guardam a memória da caça à baleia, que ajudou a fortalecer a economia local no século 19. O Museu dos Baleeiros, em Lajes do Pico, exibe embarcações, equipamentos e livros sobre o assunto.