Associar velhos edifícios a histórias fantasmagóricas sempre instigou o imaginário popular e é tema recorrente na literatura, no cinema e na tradição oral. No entanto, quando sai do campo da ficção para assustar quem frequenta esses lugares a coisa muda de figura. Em Florianópolis, uma das construções mais antigas – vai fazer 150 anos em 2025 – é o TAC (Teatro Álvaro de Carvalho).
E ali, dentro da mais aconchegante casa de espetáculos da cidade, são comuns os relatos de portas que batem a esmo, vultos que se movimentam na penumbra, choros abafados, suspiros, grades sendo chacoalhadas na madrugada e os soturnos nas escadas, quando o prédio descansa nas horas mortas.

Faz muito tempo que depoimentos desse tipo são expressos por funcionários, vigias, atores e atrizes, bailarinos e até frequentadores eventuais do TAC. A casa tem incontáveis histórias – algumas jocosas, outras inusitadas – de astros do teatro e da televisão que desempenharam papéis memoráveis no palco, mas nada é mais instigante – e intrigante – do que as narrativas sobre martelos que voam, cadeados sendo forçados, crânios encontrados em escavações, o piano que começa a tocar sozinho…
Você, leitor, teria coragem de ar algumas horas no interior dessa edificação de 1875? Pois o vigia José Nazareno Martins está ali há 18 anos e diz que já se acostumou com sons estranhos, gente tossindo ou espirrando nos cantos mais improváveis, odor de cigarro ou café vindo da cozinha fechada e cheiro forte de perfume às 3h da madrugada, após uma noite de espetáculo.
“Duas vezes, em anos diferentes, do nada, o piano tocou”, conta o vigia. “Fui lá ver, e ele estava fechado e coberto com uma cortina. Nos dois casos, aconteceu na véspera do dia de Finados. Vi cadeiras saindo do lugar e parando três metros depois, além de lâmpadas na parede que acenderam sozinhas. As grades da porta do porão chacoalhavam forte, como se alguém tentasse abri-las, e foi só tirar o cadeado que o barulho parou”.

Os funcionários mais antigos, alguns deles já aposentados, falam em relatos assustadores, aos quais conferem veracidade – ainda que sejam fruto do “ouvi dizer”. Um deles dá conta do vulto que saiu de uma porta e entrou em outra, nos camarotes, deixando pasma a dançarina que ensaiava no palco. Uma bailarina tentou, mas não conseguiu ar da cortina do balcão, onde se acomoda parte da plateia – uma força estranha bloqueava a entrada… “Experimentei várias sensações ruins, e algumas delas ainda me arrepiam”, ite Cláudio Morais, que foi iluminador, técnico e diretor do TAC e deu experiente ali de 1962 a 1991.
Teatro Álvaro de Carvalho e os ‘espíritos rondando por ali’ 4f1y55
Histórias estranhas sobre o Teatro Álvaro de Carvalho vêm de longe, e sempre há quem atribua fenômenos considerados anormais à tortura de presos políticos no porão, quando ali funcionou uma cadeia. Fala-se numa bailarina que se enforcou e num homem encontrado morto no balcão depois de um espetáculo, logo após a grande reforma de 1955, que mudou radicalmente a fisionomia do edifício. Um tigre morto, uma cabeça de cavalo (ou porco), um choro de criança no sótão, um camarim onde os artistas se recusam a entrar – não faltam elementos para reforçar o lado sinistro da bela casa de espetáculos.

Alguns ruídos são atribuídos ao madeiramento trabalhando em vista do contraste de dias quentes e noites geladas, mas isso parece pouco diante da frequência de episódios incomuns no teatro. O ex-diretor Cláudio Morais lembra de um antigo funcionário adepto da umbanda que ia ao subsolo com uma vela acesa, dizendo que “espíritos estão rondando por ali”. O corredor lateral subterrâneo que leva ao porão é um desafio para atores e técnicos que am horas montando cenários. “Do túnel, já ouvi o barulho de gente varrendo o palco, mas fui conferir e não vi nada”, afirma ele. “O ambiente é mesmo carregado. Subir as escadas dava um frio na espinha. Parece que os degraus nunca terminavam”.
O vigia José Nazareno Martins se movimenta no teatro com a familiaridade de quem conhece cada palmo de seu interior, mas não ficou tão indiferente quando viu um vulto branco sentado num sofá ou precisou desligar o alarme de incêndio, num ponto de onde costumava vir o barulho de uma grade que trepidava. “Quem está lá fora não imagina o que acontece aqui”, diz. Por precaução, ele não a embaixo do lustre de quase uma tonelada que fica sobre a plateia.
Pilatos tomando um trago na esquina e outras histórias 3o6d2u
Se é pródigo em histórias bizarras, o Teatro Álvaro de Carvalho também registrou agens incríveis, para não dizer deliciosas, envolvendo personalidades conhecidas da dramaturgia catarinense e brasileira. O falecido ator Waldir Brazil contava que numa montagem de “A paixão de Cristo” os atores iam a um bar em frente ao TAC para tomar uma cachacinha nos intervalos entre um ato e outro – um vestido de Pilatos, outro da Caifás, outro de centurião… Na mesma peça, a esponja dada a Jesus crucificado não continha vinagre, mas a urina de algum gaiato que sacaneou o ator principal.
Uma atriz aos prantos
Muito tocante foi o que se ou com a atriz Tereza Rachel no início da década de 1970. Ela se apresentava no TAC quando seu pai, que a acompanhava em turnê nacional, teve um infarto nos camarins. Ele foi socorrido, mas morreu no Hospital dos Servidores, sem que a filha soubesse do que havia ocorrido. Depois de levar o corpo para o Rio de Janeiro, ela voltou para terminar a temporada, que iria até o final daquela semana, sem deixar transparecer a tristeza pela perda do pai. Só após a última sessão, no domingo à noite, é que ela desabafou, narrando aos prantos, a uma plateia incrédula, o que acontecera dois antes, quando estava no palco.
O texto que sumiu
O ator Adélcio Costa (que chegou a trabalhar no longa-metragem “O preço da ilusão”) tinha o hábito de colocar sua fala escrita embaixo de uma lista telefônica, para se garantir caso esquecesse o texto. Um dia, o papel sumiu, e o diretor Valdir Dutra, seu “amigo”, não parava de rir atrás do palco…
No bar da esquina
O ator Carlos Zara tinha fama de apreciar um bom destilado. Sabendo disso, e conhecendo sua facilidade em fazer amigos, alguns funcionários do teatro iam com ele a um bar próximo para confraternizar após os espetáculos – para desespero de Eva Wilma, sua mulher. Um dos técnicos do TAC morava no Sul da Ilha e trouxe uma pinga do Sertão do Peri, que o ator provou e aprovou. O ex-diretor Cláudio Morais conta que Zara tinha uma justificativa para tomar umas e outras. “Bêbado eu não esqueço o texto”, dizia ele.
Elenco sem salário
Houve casos, também relatados por Morais, de atores e atrizes incomodados porque as companhias atrasavam seus salários. Às vezes, perguntavam pelo borderô para saber qual tinha sido a receita e, então, ter motivos para cobrar o que lhes era de direito.
Show da Pimentinha
A cantora Elis Regina se apresentou no TAC no dia de seu aniversário, mas não perdeu a postura que justificava seu apelido de “Pimentinha”. Pediu uma iluminação chapada, que focasse apenas nela, no palco. O produtor, seu marido, mandou mudar a cor, para dar mais vida ao espetáculo. Ela teve um ataque de nervos e destratou todo mundo que viu pela frente.
Garrafas no telhado
A Varig e a Transbrasil, companhias aéreas que operavam em Florianópolis, hospedavam seus comandantes e aeromoças no Floph, ao lado do TAC. Nas festas que faziam, eles jogavam garrafas de uísque da janela do hotel em cima do telhado do teatro. Alguns pensavam que mais uma assombração. O gerente do Floph disse que nada podia fazer quanto ao comportamento dos hóspedes.
O vigia que fugiu
O TAC é cercado de histórias estranhas, mas nem se compara ao Palácio Cruz e Sousa – pelo menos se depender do relato de um vigia que trabalhou nas duas casas. “Ele ficou duas noites lá e saiu corrido”, diz o vigia José Nazareno Martins. “A copa de lá é sinistra, com as voando para todo lado”. No TAC, ou um vigia bombado, cheio de tatuagens, “um tanque de guerra”, segundo Martins, que ficou apenas uma noite e desistiu do trabalho.
Sem as muletas
No TAC, há relatos de um maestro que caiu no fosso durante a apresentação de uma ópera italiana. Em outa ocasião, as quase 600 pessoas de plateia saíram, à exceção de um espectador, que permaneceu sentado. Perguntaram-lhe por que ainda estava ali. “Levaram minhas muletas”, explicou.
Nenhum espectador
Durante a gestão do ex-diretor Oscar Berendt, uma dançarina eleita rainha dos motoristas de táxi de São Paulo programou um show para o TAC, mas não conseguiu vender um ingresso sequer. Nem os taxistas locais agraciados com bilhetes de cortesia apareceram. O diretor precisou tirar dinheiro do próprio bolso para garantir o almoço da “rainha”.