‘Você está louca’, ‘você está distorcendo o que eu disse’. Frases como essas, tão comuns no dia a dia de tantas mulheres, configuram um tipo de violência psicológica sutil, porém extremamente danosa: o gaslighting, que pode ser praticado no âmbito familiar, em uma relação afetiva, no ambiente laboral ou em outro meio social frequentado.

O gaslighting baseia-se, essencialmente, em obter controle sobre os demais através de táticas de persuasão para diminuir a autoestima da vítima. Na medida em que ela vai aceitando o comportamento manipulativo, o nível de manipulação vai aumentando gradativamente.
“Os gaslighters podem ser fáceis, ou não, de serem identificados, já que muitas vezes desafiam uma percepção mais aguçada e possuem uma série distinta de comportamentos. O que todos têm em comum é a manipulação enquanto estilo de vida para obter controle sobre os demais, tirando o equilíbrio emocional da vítima e fazendo com que ela se questione sobre a sua própria realidade e sanidade”, explica Flávia Albaine, especialista em Direito Privado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Exemplos de comportamentos assim podem ser reconhecidos através de ações praticadas por um namorado extremamente controlador e ciumento, mas que envolve a parceira por ser charmoso e autoconfiante, fazendo com que ela acredite que ciúmes é prova de amor; por um assediador que culpa a vítima por uma violência cometida contra a mesma, dizendo que ela foi a causadora da situação ou que está “maluca”; pelo chefe que sempre dá um jeito de levar o crédito pelo trabalho que você faz ou tenta invisibilizar, de forma direta ou velada, a sua competência, fazendo com que se questione se realmente é boa no que faz.
Discórdia e coleta de dados 482s64
Outra tática comum dos gaslighters é coletar informações fornecidas pela própria vítima e, posteriormente, utilizá-las contra elas para prejudicá-las.
Eles tratam a vulnerabilidade da vítima como uma fraqueza a ser explorada e, em muitos casos, espalham boatos para enfraquecê-la emocionalmente. Causar discórdias entre as pessoas é algo que atende muito bem a necessidade que os gaslighters têm de dominar e controlar, pois, assim, eles fazem com que as pessoas concordem com eles, maculando o caráter da vítima, evitando o confronto direto e evitando as responsabilidades por suas ações.
Um exemplo corriqueiro desse tipo de conduta é quando a mulher, vítima de algum tipo de violência, decide procurar ajuda e denunciar o agressor. Em vez de ser acolhida como deveria, o seu discurso é desqualificado e desacreditado por amigos, familiares e até pelas autoridades policiais e judiciais.
A vítima, então, se torna algoz. Sofre um processo de revitimização, se sente acuada e não sabe mais para quem recorrer para pedir ajuda. Através desse tipo de ação, os perpetradores da violência podem levar a vítima à depressão e, em alguns casos, ao suicídio.
De acordo com a psicóloga policial Simone Daltoe, que atua na Dpcami (Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso) de Florianópolis, o gaslighting é tão prejudicial quanto a violência física, porém, mais difícil de ser notado. Diferente de uma agressão física, os abusos mentais são construídos ao longo do tempo.
“É um tipo de abuso psicológico, para convencer a mulher [ou vítima] e menosprezá-la. Ela acaba duvidando da capacidade emocional. O gaslighting tem essa sutileza, que é o abalo à saúde emocional”, descreve.
No âmbito doméstico, familiar e afetivo, o gaslighting cometido contra a mulher pode configurar violência psicológica a atrair a incidência da Lei Maria da Penha. Caso tal fato ocorra contra a vítima mulher em outro ambiente, pode configurar o crime de violência psicológica contra a mulher previsto no artigo 147-B do Código Penal.
Como identificar 481v5d
Além das frases acima, outros sinais definem o gaslighting. “O parceiro convence, e a pessoa fica duvidando da sua própria capacidade psicológica”, destaca Simone.
Usado como base para um livro sobre o tema, a psicóloga Stephanie Moulton Sarkis escreveu artigo intitulado “11 Sinais Para Ficar Atento ao Gaslighting”. No texto, ela elencou as técnicas usadas pelas pessoas que praticam o abuso, em diferentes espaços e relações. Confira alguns deles:
Eles contam mentiras chocantes;
Eles negam que tenham dito algo, mesmo que você tenha provas;
Eles usam o que é próximo e especial para você como munição;
Eles diminuem você ao longo do tempo;
Eles sabem que a confusão enfraquece as pessoas;
Eles dizem a você e aos outros que você está louca;
Eles dizem a você que todos os outros são mentirosos.