Se você estivesse em um ambiente com três mães – de 24, 26 e 31 anos – e um adolescente de 16 anos, saberia dizer o que eles têm em comum? O elo entre o quarteto é o mesmo que motiva os mais de 1300 estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de Florianópolis: a aprendizagem.

Em 26 localidades distribuídas pela cidade, as turmas podem praticar o que é ensinado pelos professores dos diferentes componentes curriculares ou pelo professor alfabetizador no primeiro segmento.
Com perfis plurais, a troca com os colegas é propícia para acrescentar novos conhecimentos, aqueles que vão além do que está na lousa ou nos livros.
E quem estuda no Núcleo Continente II, no bairro Monte Cristo, sabe que a diferença é palavra-chave na educação. Com colegas das mais diversas idades, gêneros e etnias, as informações são compartilhadas a todo momento.
“Os mais novos têm essa coisa de querer terminar rápido e os mais velhos são mais pacientes. Rola uma troca interessantes de, às vezes, os mais novos ensinarem os mais velhos a lidarem com a tecnologia. Os mais velhos, em certos momentos, contribuem com a experiência quando estamos falando de algum assunto histórico, como era antigamente”, relata o professor de português Charles Vitor Berndt.
Questionar e dialogar com aqueles que pensam diferente nem sempre é uma tarefa fácil, mas o cenário precisa ser convidativo o suficiente para que cada um tenha a autonomia e a liberdade de se expressar.
Por isso, o acolhimento é a primeira etapa do processo, atividade realizada por todos os profissionais, que respeitam as individualidades. “Olhar para o sujeito excluído socialmente, ouvi-lo, inseri-lo e não simplesmente considerá-lo um sujeito que não tem nenhum domínio”, conta Charles.
O ponto de partida para o primeiro contato é compreender que cada um carrega uma bagagem ancorada no cotidiano.
“Entender que esses conhecimentos são importantes e considerá-los como parte do currículo traz a possibilidade de ampliar a visão de mundo, tanto dos professores como dos estudantes. Nesse encontro, professores têm a oportunidade de aprender o que a academia não ensina e os estudantes am conhecimentos sistematizados”, enfatiza o secretário municipal de Educação de Florianópolis, Maurício Pereira.
O perfil da EJA 1s272q
De acordo com dados do Censo da Educação Básica, no resumo técnico divulgado em 2020, três milhões de brasileiros estavam matriculados na modalidade naquele ano, sendo que 61,3% eram estudantes com menos de 30 anos, compostos, em sua maioria, por homens (56,8%).
No público com idade superior, as mulheres ganham destaque, correspondendo a 59% da classe.
Perfis distintos e com objetivos diferentes também estão presentes na Capital. Naiara de Oliveira Rebelo, 24, e Gislaine Rodrigues, 31, decidiram dar mais uma oportunidade para os estudos e foram apoiadas pelos companheiros.
Jutiara Fernandes Costa, 26, aproveitou a companhia da amiga Gislaine para estar na EJA. As três compartilham da rotina corrida entre a casa, as crianças e o estudo — cenário que pode ser ainda mais desafiador quando o trabalho remunerado está presente na vida da mulher.
Junto de Gustavo Dias Lima Pereira,16, o grupo do segundo segmento compartilhava o mesmo medo: voltar a estudar em um ambiente com crianças, que têm interesses diferentes dos mais velhos.
Entretanto, a identificação com a EJA foi instantânea e todos ficaram à vontade desde o momento em que encontram pessoas com a mesma idade na sala de aula.
Por mais que os fatores e empecilhos que causaram o distanciamento da educação sejam diversos, a determinação de terminar os estudos está presente nos quatro estudantes.
E há quem esteja percebendo a influência na área profissional, como é o caso de Gustavo, que conquistou uma vaga para Jovem Aprendiz no Ministério Público. Depois de repetir alguns anos e abandonar os estudos, a reconciliação com a educação foi feita quando o garoto percebeu que estava trilhando um outro caminho.
Ler e escrever: os primeiros os 64l64
Para aqueles que querem aprender a ler e a escrever, a trajetória também é árdua, mas vale a pena. Maria Cristina da Conceição, 44, é de Alagoas e escolheu Florianópolis como lar há anos. Quando pequena, a auxiliar de cozinha foi impedida de ir à escola pelo padrasto, mas o interesse pelo conhecimento nunca deixou de existir.
A dificuldade na hora de interpretar e construir os textos foi um empecilho para conseguir alguns trabalhos — os estabelecimentos solicitavam o certificado do Ensino Fundamental. A sensação, de acordo com Maria Cristina, é de exclusão, de não ter a confiança dos chefes por não ser totalmente alfabetizada.
Entretanto, o cenário está mudando. Maria Cristina está melhor na leitura e consegue escrever pequenos textos. A principal dificuldade está em “comer” as letras, como ela descreve. Entretanto, a alagoana não pretende desistir — o foco é terminar os estudos.
A dupla Thamiris Costa de Assis, 31, e Naiara Maiato Dias, 15, também são movidas pelo mesmo anseio e aproveitam a companhia para participar das aulas. Conhecer as lendas do folclore e aprender a ler e escrever, por exemplo, são ganhos que as amigas – que entraram este ano na turma do primeiro segmento – dividem no pouco tempo de EJA.
Os desafios também são vivenciados pela professora Sandriela de Souza, responsável pela alfabetização. O dia a dia na classe é pensado a partir de um texto. O primeiro o é a leitura, momento em que o grupo identifica aspectos da estrutura da língua escrita. A etapa seguinte é desenvolver atividades a partir do conteúdo compartilhado.
Quando o foco é a alfabetização de jovens, adultos e idosos, tudo precisa começar com a leitura — a escrita será a consequência. Por mais que o desenvolvimento seja individual, acompanhar o coletivo é satisfatório.
“São pessoas que já têm uma história de vida e têm um sonho, que é aprender a ler e a escrever. Poder proporcionar isso é muito gratificante”, conta a educadora.
Proposta pedagógica diferenciada 2p50q
No segundo segmento o foco é a pesquisa, que mobiliza os estudantes na produção do conhecimento. Tudo começa com uma problemática que dialoga com os diferentes componentes curriculares e o assunto vai sendo abordado a partir de outras perspectivas, com novos questionamentos. O processo é chamado de mapa conceitual.
O tempo de estudo e a profundidade dependem da problemática levantada pelos estudantes. “Às vezes, a gente tem que pesquisar junto com eles, ler junto com eles. Surgem temáticas das mais variadas possíveis. Nem sempre a gente domina aquele assunto, então é uma construção de conhecimento”, destaca o professor de português Charles Vitor Berndt.
Uma das problemáticas que conquistaram a atenção do professor e do colega de profissão Pedro Rocha Pereira Júnior foi a pesquisa feita por Neusa Padilha, 53, que finalizou a EJA em julho deste ano. A curiosidade da pesquisa partiu do seguinte questionamento: será que existem plantas medicinais para todas as doenças?
Com uma plantação em casa e o desejo de saber mais sobre ciências e biologia, a busca pelas respostas envolveu conhecimentos distintos, incluindo história, geografia, matemática, língua portuguesa e estrangeira, artes e educação física.
Toda a turma teve a oportunidade de assistir a apresentação final, com slides, amostras das plantas e um chá. A estudante finalizou a sua agem pelo Ensino Fundamental falando, em sua última pesquisa, sobre aquilo que gosta e tem proximidade.
Por mais que agora os encontros sejam com outra turma, é difícil esquecer o papel da EJA. Para Neusa, o futuro surgiu depois da matrícula. “Eu vi o caminho se abrindo, talvez eu possa ser alguém, exercer uma profissão melhor”, acredita a estudante, agora matriculada no Ensino Médio.
Além de ser um exemplo quando o assunto é a abordagem pensada pelos próprios estudantes, o caso de Neuza também é lembrada quando o assunto é a tecnologia, já que os estudantes são instigados a fazer parte do mundo digital.
No caso de Neusa, foi possível pensar em outras possibilidades com o uso de mídias digitais. O responsável por encorajar as idas à sala informatizada foi o professor de espanhol Pedro Rocha Pereira Júnior.
“Sou mais da área tecnológica, então, quando entro em sala de aula, eu penso em trazer um determinado mundo que talvez seja desconhecido para esse estudante. Então, a minha visão como professor é inseri-los em determinados campos que eles vão utilizar para o resto da vida”, menciona o educador.