Na última semana de fevereiro, existe uma tradição que acompanha a família dos Anjos. Com fantasias, brilho e samba no pé, os integrantes começam a preparação para desfilar na arela Nego Quirido. O costume é antigo e o sentimento pode ser compartilhado com todos que celebram o Carnaval no Brasil.

Mais do que a exposição, para que a produção tenha significado, é importante compreender como a festividade chegou ao país e qual é o simbolismo da data para a sociedade, principalmente para os brasileiros – povo que é reconhecido pelas grandes festas carnavalescas.
O começo da folia pelo mundo 1m2n32
Por mais que a comemoração atual seja marcada pelas festas e fantasias, os motivos que estavam por trás da alegria, no início dos tempos, eram outros. Isso porque o Carnaval não é algo exclusivo do Brasil — existem outros países que comemoram a data com o mesmo empenho.
Mas como surgiu a festividade? A explicação está na Antiguidade, momento em que a sociedade estava acostumada a fazer grandes comemorações para os deuses. Enquanto alguns povos festejavam com a inversão de papéis na classe social, entre servos e senhores; outras nações estavam focadas em receber a primavera ou agradecer o momento vivido para algum deus específico.
Entretanto, o Carnaval a a ter um significado diferente com a ascensão da igreja e da religiosidade, momento em que a festividade marca o período que antecede a quaresma — tempo em que os católicos fazem o jejum para a páscoa.
A chegada do Carnaval no Brasil 3i552v
Por aqui, quem incentivou o Carnaval no Brasil foram os portugueses. No início, a brincadeira consistia em jogar ovos, água e tinta nas pessoas, aproveitando a descontração. A prática recebia o nome de entrudo e era praticada com familiares ou pessoas desconhecidas. A escolha dos itens arremessados dependia do local e dos participantes.
Quando era no ambiente doméstico, homens, mulheres e crianças participavam, incluindo os escravos — estes eram os alvos e não podiam revidar.
Era em espaços públicos que a brincadeira contagiava pobres, alforriados e escravizados, já que o revide era liberado. “O entrudo era muito violento, tanto que em Desterro, em 1832, a Câmara Municipal proibiu a sua prática que resistiu até século 19”, conta o pesquisador e bibliotecário Alzemi Machado.
Aos poucos, a antiga prática foi dando espaço para uma comemoração inspirada nas festas europeias, em que a farra era feita com confetes e serpentinas, deixando de lado os alimentos. Depois o Carnaval no Brasil começa a ar por diversas transformações, incluindo as marchinhas e as comemorações na rua.
É a partir deste hábito que nascem os “bloquinhos”, com pessoas que saiam às ruas para cantar as músicas e festejar com os demais. As letras eram ouvidas pelo rádio e depois replicadas pelos grupos, como diversas produções que foram feitas por Carmem Miranda, por exemplo.
Na década de 60, as escolas de samba começaram a produzir o samba enredo, pensando em letras e toques além da folia das ruas, dando espaço para críticas sociais e problemas do dia a dia.
Vale destacar que as agremiações surgem anos antes, mas o sucesso dos desfiles é algo conquistado com o tempo — quando são construídos os sambódromos, arelas e começam as transmissões pela televisão.
A festa na antiga Desterro c575b
Por aqui a história não foi diferente. É na antiga Desterro que os primeiros foliões começaram a dar vida para o Carnaval no Brasil, com espaço para a alegria.
Depois do tempo de entrudo, as referências europeias tomaram conta da cidade, dando origem aos desfiles e bandas. “Vão surgir também as lojas de vendas de fantasias e órios, inicialmente em estilo dominó e depois pierrôs, palhaços, astrólogos, oficiais e sultões”, completa Alzemi.
O pesquisador e bibliotecário faz questão de lembrar que Desterro foi o local de origem de uma prática que ganhou visibilidade nacional: carros alegóricos e de mutação (1875). Outra modalidade que tomava a ilha eram os corsos, com automóveis abertos e os participantes jogando serpentinas.
O cenário começa a mudar com a ascensão dos clubes carnavalescos, criação dos “bloquinhos” e escolas de samba, que surgem na década de 40 — os últimos dois permanecem até os dias atuais.
“O grande período carnavalesco e de projeção nacional do nosso carnaval é, com certeza, nas décadas de 1960 a 1990 (sociedades carnavalescas, escolas de samba e blocos), que atraíam turistas e multidões”, considera o bibliotecário.
Uma característica do Carnaval de Florianópolis deixada de lado foi a participação de grupos representativos, como aqueles que encenavam o Boi de Mamão ou a dança do pau de fita. A participação esteve presente até a década de 70.
“Era um Carnaval diferenciado de outros centros, que mesclava elementos da nossa cultura. As escolas saíram do entorno da Praça XV e foram para um local específico. Sobrou o ‘Bloco dos Sujos’ e alguns organizados. Outros elementos e ritmos musicais foram incorporados, o que, para muitos, perdeu parte da originalidade e essência”, explica Alzemi Machado.
O Carnaval de rua resiste 4yd6m
Mesmo que muitos conheçam aquele Carnaval da televisão, com muito brilho, carros alegóricos e agitação da arquibancada, é fato que os “bloquinhos” estão mais vivos do que nunca! Com diversas opções, as ruas ainda são pontos de encontro para os foliões.
Em Florianópolis, o “Bloco dos Sujos” é um dos mais esperados. Além de mobilizar a maior parte dos integrantes, a explicação também está na história.
“O “Blocos dos Sujos” foi a forma adotada por boa parte da população que não tinha dinheiro suficiente para comparar fantasias clássicas ou ser sócio de clubes recreativos. Então, agregando os princípios do Zé Pereira, iniciado em 1846, saíam coletivamente e sem organização, juntando-se aos foliões dispersos. É considerada a mais genuína manifestação carnavalesca”, explica o pesquisador e bibliotecário Alzemi Machado.
No caso do “Enterro da Tristeza”, a manifestação tem ligação com a criação de um dos clubes da cidade. “Surge na década de 1960, por um grupo de jovens que fundam o Clube Paineiras, que a a promover inicialmente o baile do terror. Com a extinção do clube, o Clube Ipiranga do Saco dos Limões a a promover este evento. Já a partir dos anos 1980, o ‘Bloco SOS’, formado pelos servidores da Fundação Hospitalar, assume de vez a manifestação, ando a desfilar pelas ruas da cidade acompanhada de um caixão (com um folião dentro, simbolizando a tristeza) e que durante os festejos será incorporada pela alegria”, expõe o pesquisador.

De geração em geração 5p2i6d
No Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Dascuia, uma das escolas de samba de Florianópolis, a tradição permanece entre as gerações. Prova disso é a família dos Anjos. Com pai, mãe e filhas na folia, o tempo de Carnaval é sempre um dos mais esperados. O amor pela festividade começou com Maurício dos Anjos.
O primeiro contato com a festa foi por incentivo do genitor, Altamiro José dos Anjos — a escola nasceu a partir de um bloquinho criado para homenagear o homem. “Desde os dez anos já saía na ala das crianças”, conta um dos fundadores e ex-presidente da agremiação.
Como diretor de Carnaval da escola, a filha Beatrice Pinheiro dos Anjos,13, rainha mirim de bateria, e a esposa Patrícia Régis da Silva continuam aproveitando a arela.
“É um legado que o meu pai me deixou. Para mim é muito importante porque a cultura do Carnaval tem que ser estudada, é o melhor espetáculo a céu aberto”, comenta Maurício, que vê o costume ser ado para os mais novos, incluindo Helena Balbino dos Anjos, 6, que ainda não desfila, mas já vive o Carnaval no Brasil.