Aprovado na última quarta-feira (27) pela maioria de votos na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), o projeto que regulamenta o ensino domiciliar no Estado, conhecido como homeschooling, trouxe a tona a discussão sobre a legalidade desse modelo e os prós e contras da educação domiciliar.

A matéria foi encaminhada para a sanção ou não do governador Carlos Moisés (sem partido). Ele tem o prazo de 15 dias para publicar a decisão. A previsão é que o projeto seja aprovado nos próximos dias, conforme apurado junto ao governo do Estado.
O Projeto de Lei Complementar (PLC) 3/2019 é de autoria do deputado Bruno Souza (Novo). Em junho deste ano, a matéria foi reprovada pela Comissão de Educação da Alesc. No entanto, ela voltou a ser discutida após ar pela Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.
O texto recebeu emenda substitutiva global que, entre outras mudanças, com o objetivo de aprimorar a proteção aos educandos, determina a garantia de tutela do Estado, a conceituação de aptidão técnica e a proibição do ensino domiciliar aos pais com medidas protetivas.

Segundo os defensores do homeschooling, cerca de duas mil famílias já adotaram o método em Santa Catarina. A vice-governadora do Estado, Daniela Reinehr (sem partido), comemorou a votação pelo Twitter. “Vitória! Aprovado o homeschooling em Santa Catarina. Parabéns aos parlamentares que ouviram o anseio dos catarinenses”.
Por outro lado, o Sinte (Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina) se manifestou contrário ao projeto. “Aprovada a toque de caixa lei que regulamenta ensino domiciliar em Santa Catarina. Como pauta extra e sem muita divulgação”, pontuou a entidade em nota. O sindicato anunciou que entrará com todas as medidas possíveis “para derrubar este ataque contra a educação pública!”.
“É uma revolução” 3v6c54
Magda Leal Boeri, há cerca de quatro anos, que ela e o marido Hamilton decidiram adotar o ensino domiciliar para os três filhos: Maria Olívia, 18; João Vitor, 15, e Pedro, 11. “A educação domiciliar é nada mais do que a família assumir 100% da execução e do ensino”, disse ela que agora tem se dedicado a orientar outras famílias que estão começando esse processo. Os filhos dela foram alfabetizados na escola.

Para educar os três filhos em casa, Magda e o marido utilizam livros e, principalmente, a internet e aulas particulares online.
“É uma revolução. Tem que repensar a educação, repensar os valores. Precisa conhecer a nossa realidade. Nós não temos nada contra a escola, muito pelo contrário. A educação domiciliar nada mais é do que um método. É uma realidade que está voltando, já foi muito usada no ado, hoje está se resgatando”, afirmou.
Segundo Magda, a maior dificuldade que eu vejo, não só pra mim, mas para maioria das famílias, é o descolarizar, ou seja, os pais se desprenderem do sistema escolar tradicional. “O processo mais difícil é o período de adaptação e descolarização”, afirmou.
Magda sustentou que as aulas no ensino domiciliar são mais bem aproveitadas em comparação com as dadas em salas escolares. “Uma aula convencional a professora tem 45, 50 minutos para uma aula e já é comprovado que desse tempo, apenas cinco minutos ela consegue dar aula dela, reter a atenção”, comentou.
“Até ela controlar uma turma de 30, 40 alunos, como meus filhos já tiveram, é muito complicado que o aluno consiga absorver. Um aluno em casa, com duas horas de estudo, eles absorvem e aprendem muito mais do que na escola”, avaliou.
Para ela, o desafio hoje é fazer com que o projeto seja sancionado pelo governador. “Assim não estaremos de forma ilegal nem no limbo jurídico”, comentou.
Privilégio e socialização 5l1t5e
De acordo com Magda, o ensino domiciliar não pode ser visto como um privilégio de pessoas abastadas. “Hoje na escola pública tem pessoas que têm muita condição e na escola particular temos pessoas que trabalham muito para manter os filhos. Dar educação para os filhos não quer dizer ser mais ou menos privilegiado. Na educação familiar não há uma questão de classe mais privilegiada ou não. Nós não somos da elite, queremos que nossos filhos tenham uma boa educação”, comentou.
“A escola não socializa ela escolariza”, disse Magda, ao ser questionada sobre a falta de socialização para as crianças que estão em homeschooling. Para ele, não pode haver socialização no lugar onde todos têm a mesma idade, tem o mesmo nível, falam as mesmas coisas, como é o caso das escolas. “As crianças podem se socializar na igreja, no parque, nos lugares onde praticam esportes, socialização é isso”, frisou.
Ataque à educação pública 534a4i
Para a presidente da Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), Geovana Lunardi, disse que a tendência é que o projeto aprovado na Alesc poderá ser avaliado como inconstitucional.
A Anped junto com outras entidades compõe um grupo que dá e técnico para processos de determinadas temáticas que chegam ao STF (Supremo Tribunal Federal).
“Outros Estados como Paraná e Rio Grande do Sul tiveram essa mesma situação que Santa Catarina e alguns já chegaram ao STF, com representações contra esse projeto de lei em termos de sua constitucionalidade e alguns o STF já se posicionou dizendo de sua inconstitucionalidade”.
Do ponto de vista pedagógico, Geovana avalia que é um ataque à educação pública catarinense e do país. “Esses projetos, na verdade, se orientam por uma lógica que é uma defesa ideológica, ou seja de uma perspectiva familiar, vinculada na maioria das vezes a questões restritivas, de credo, de crença. E muitas dessas perspectivas são contrárias àquele que é um dos principais papéis da escola: a formação científica”.
Para a presidente da Anped, privar as crianças desse espaço coletivo é, no mínimo, uma afronta aos seus direitos, entre eles a educação escolarizada. “É muito preocupante que a Assembleia tenha aberto essa possibilidade”, destacou.
Modelo americano 142k6q
Segundo ela, os defensores do ensino domiciliar querem trazer para o Brasil, uma perspectiva que tem muita história nos Estados Unidos, onde tem uma relação contraditória, tanto com um grupo de origem de movimento hippie, na década de 1960, e ao mesmo tempo, mais recente com o movimento religioso.

Geovana fez questão de frisar que as escolas brasileiras, considerando o grau de desigualdade econômica e social do país, funcionam como uma grande rede de proteção à infância.
“Desde a comida, desde o espaço de ter garantido um lugar em que elas não estão em situação de risco. Até a identificação mesmo de situações de agressão que a crianças está ando e só a escola consegue enxergar”, reforçou.
A professora, que morou e atuou nos EUA, disse que as crianças que os pais optaram pelo ensino domiciliar nos Estados Unidos participam de um conjunto de atividades extraescolares, que a escola americana oferece, e essa rede não existe no Brasil.
“Esses pais estão dizendo que vão dar conta de tudo. Eu ainda quero entender como os sistemas vão fazer, inclusive Ministério Público, Conselho Tutelar, para verificar se isso está efetivamente sendo feito”.
Para a presidente da Andep, o projeto é um disparate, porque vai gerar despesas para o Estado. Segundo ela, o sistema de educação estadual terá que designar uma coordenação, fazer exames periódicos das crianças, vistoriar os turnos em termos de carga horária, verificação do material utilizado, entre outros pontos.
“É um disparate, pensar inclusive no custo público dessa vontade privada. O governo mais uma vez vai ser onerado”, finalizou.