Maria Aparecida Vicenti Martins da Silva, 64, ainda não tinha nascido quando houve a conquista do voto feminino no Brasil. A vitória só foi possível em 1932, com a aprovação do Código Eleitoral (Decreto n.º 21.076), sancionado em 24 de fevereiro daquele ano. Nesta sexta-feira (24), no Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil, vamos nos aprofundar sobre este marco histórico.

Desde a primeira lei, o voto ou por diversas alterações, sendo obrigatório em 1965. Por mais que a bancária aposentada Maria Aparecida só tenha participado da primeira eleição em 1978, muitas brasileiras desfrutaram do direito do voto feminino no Brasil nos anos anteriores, até que a maioria dos votos fosse obtida em 2002, com 50,9% de participação nas eleições.
Mas qual é o cenário atual das mulheres na política? Mesmo sendo maioria, quais são as barreiras que limitam a candidatura e eleição?
O voto feminino no Brasil como marca histórica 1g2z
Por mais que a conquista tenha sido em 1932, a verdade é que a movimentação para assegurar o voto feminino no Brasil começou muito antes. Os primeiros esforços surgiram na década de 1880, com a aprovação da Lei Saraiva. Isso porque a aprovação do decreto instituiu o direito ao voto para todos que tinham o título científico — brecha que foi utilizada por algumas para solicitar a candidatura.
Para a professora de história da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Glaucia Fraccaro, o voto feminino no Brasil marca o desejo por garantias amplas, que foram além das eleições.
“A luta pelo voto das mulheres é parte de uma história mais ampla de luta por direitos. No Brasil não foi diferente, no entanto, ele não era exatamente proibido. Por exemplo, a Constituição de 1891 sequer proibia as mulheres de votar. Juízes e deputados, no entanto, não permitiam o alistamento das mulheres como eleitoras ou como candidatas com base na compreensão que eles mesmos compartilhavam sobre o que significava o papel das mulheres na sociedade.”
Nos anos seguintes, o assunto ganhou força em setores importantes da sociedade, incluindo a imprensa e alguns partidos, dando origem às federações e ligas exclusivas para mulheres. O objetivo era debater a importância da participação feminina na política, levando em consideração as reivindicações da época e a equidade entre os gêneros.
Entre as mais conhecidas, merecem destaque a Liga para Emancipação Internacional da Mulher e a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Entre os nomes que ganharam notoriedade nacional, a professora Maria Lacerda de Moura e a bióloga Bertha Lutz foram símbolos do movimento. A busca por educação e qualificação profissional também já era discutida naquela época.
“A mudança na história também acontece com base na ação de muita gente – inclusive de pessoas que não ficaram tão conhecidas assim – como é o caso de Diva Nolf Nazário. Ela foi uma das mulheres que entrou com o pedido de alistamento eleitoral. A história dela a gente conhece melhor porque ela era muito letrada, escrevia cartas de respostas quando seu direito era negado e publicava todo o debate com juízes e parlamentares em jornais justamente para expor a falta de consistência nas leis. A constituição de 1891 não proibia o voto, mas os juízes, sim”, conta a professora.
A recompensa pelo esforço começa a surgir em 1932 com o Código Eleitoral, que a a valer ainda no governo de Getúlio Vargas. É a partir do documento que o país a a seguir um padrão de eleição, com a obrigatoriedade do voto secreto e o voto feminino no Brasil. É nesse período que as mulheres conquistaram o sufrágio feminino, colocando o Brasil como um dos primeiros países da América Latina a conceder este direito.
“O decreto foi assinado por Getúlio Vargas num momento em que sequer seu governo tinha constituição. Entretanto, a ausência de uma carta constitucional não é o mesmo que dizer que o povo brasileiro estava sem direito algum e é essa toda a dificuldade de entender esse período nada óbvio. A única forma de explicar é inserir tudo isso numa luta maior por direitos porque junto com o voto das mulheres, Vargas também aprovou outras coisas como a regulação da jornada de trabalho e direito às férias”, opina Glaucia.
Por mais que a conquista do voto feminino no Brasil tenha sido na década de 30, o Rio Grande do Norte foi um dos Estados pioneiros na luta. Isso porque a Lei Estadual 660, de 1927, já deixava brechas para a participação feminina. Outra foi em 1988, quando analfabetos conquistaram o direito ao voto.
Maioria dos votos x minoria eleita 5wd2t
A trajetória do voto feminino no Brasil, em muitos momentos, é confundida com a própria história das eleições. Com diversos períodos de paralisação, como no Estado Novo e na Ditadura, é como se a participação feminina nas eleições fosse algo conquistado aos poucos.
E o tempo distante das leis, direitos e deveres ainda impacta no presente. Nas eleições de 2022 os números indicam que elas foram maioria na hora de escolher, mas a representatividade é baixa depois da conferências das urnas.
Em Santa Catarina, 313 candidatas lançaram campanha no ano ado, representando mais de 30% dos concorrentes. A faixa etária que liderou foi dos 50 aos 54 anos, seguida por 45 a 49 anos e 40 a 44 anos, de acordo com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Por mais que o número seja superior às eleições anteriores, a presença ainda é tímida – principalmente em cargos de maior visibilidade.
A explicação ultraa a relação delas com as leis, abrangendo a rotina do lar e as obrigações que ainda são, em sua maioria, das mulheres.
“Precisamos encarar com seriedade a grande massa de trabalho que fica à cargo quase exclusivamente das mulheres. Cuidar da casa, das crianças, das pessoas mais velhas são tarefas incontornáveis na vida de todo mundo. Reproduzir a vida é a parte essencial da vida e esse tempo todo que a gente emprega nessas tarefas, muitas vezes, não permitindo que a gente desenvolva outras tarefas sociais como participar de reuniões e se candidatar. A cidadania das mulheres requer o reconhecimento de que tudo isso que a gente faz é trabalho e, como tal, precisa receber a devida valorização”, completa a professora da UFSC.
Outro ponto que deve ser levado em consideração é que a política ultraa os muros de Brasília e das assembleias e câmaras. O ato político está presente em diversos grupos e locais, seja em uma agremiação estudantil ou na associação de moradores — barreira que precisa ser quebrada para aproximar a sociedade do assunto.

Elas, política e família 32466a
Na família Martins, as irmãs Maria Aparecida Vicenti Martins da Silva, 64, Denise Conceição Vicenti Martins, 63, e Helena Martins Rosa, 56, aprenderam a comparecer nas eleições junto com a mãe, Ondina Vicenti Martins. No caso de Maria Aparecida, o título foi feito em 1976 — a primeira eleição foi em 1978. “A participação da mulher na política é essencial e é eficiente para influenciar nas decisões que abrangem as questões sociais, políticas, ambientais, econômicas e culturais, atingindo, diretamente, a vida do povo e garantindo maior igualdade”, comenta a bancária aposentada.
Se o exemplo para votar vêm de família, as quatro continuam indo juntas às urnas. “Dividir esse momento das eleições com elas é um momento único pois temos os mesmos ideais políticos, assim como votamos nos mesmos partidos políticos”, finaliza Maria Aparecida.