Hóspede carinhoso e simples: a rotina de Caio Júnior no hotel em que morava em Chapecó 736i1y

Funcionários do hotel onde técnico residia detalham a rotina do comandante do Verdão antes do acidente com avião da Chapecoense

A suíte máster de número 511 do hotel Bertaso, localizado no Centro de Chapecó, está trancada desde o sábado ado, quando o hóspede Luiz Carlos Sarolli, 51, deixou o lugar onde morava desde 27 de junho de 2016 para uma viagem longa. Ele deveria ter retornado nesta quinta-feira, mas infelizmente não ou pelo amplo hall, nem deu o costumeiro boa noite para o recepcionista Cesar Ferrarezi, muito menos subiu até o oitavo andar para jantar.

Suíte similar a usada por Caio Júnior - Daniel Queiroz/ND
Suíte similar a usada por Caio Júnior em Chapecó – Daniel Queiroz/ND

Caio Júnior, como era conhecido o morador do local, morreu no acidente de avião quando se dirigia a Medellín para a final da Copa Sul-Americana. Ele viajava a trabalho, como treinador da Associação Chapecoense de Futebol, time da cidade, e seus pertences ainda estão trancados nos aposentos de três cômodos – sala e suíte – no aguardo de que seus familiares venham buscá-los.

Mas esta nem sempre foi a morada de Caio Júnior no Velho Oeste. Antes de ocupar a suíte atual, ele se hospedou no andar de cima, na suíte 611. A disposição de ambas é quase igual e a troca só foi necessária por causa de um problema técnico corriqueiro em muitos lares. “Precisamos trocar o aparelho de ar-condicionado do quarto e ele se mudou para o andar de baixo e como os apartamentos são idênticos ele ficou lá”, afirmou Ferrarezi, funcionário há 32 anos do local e que conhecia bem os hábitos do comandante verde.

“Ele saia cedo, às vezes com o próprio carro, às vezes alguém do clube vinha buscá-lo, e quando isso ocorria ele ficava aqui na frente [recepção] sentado, folheando os jornais”, relatou. Entre uma página e outra, Caio atendia torcedores que entravam no prédio para uma foto ou autógrafo. À noite, não tinha hora para voltar e raramente tinha dias de folga, devido à rotina exigente do futebol.

Como é a morada de Caio  u4n2t

Obviamente, não tivemos o ao quarto atual de Caio Júnior, mas a suíte 611 nos dá uma noção do que ele tinha à sua disposição. Uma mesa redonda com quatro cadeiras, dois sofás, um amplo espelho e uma TV de 29 polegadas, ainda de tubo, na antessala.

Suíte - Daniel Queiroz/ND
Suíte similar a usada por Caio Júnior em Chapecó – Daniel Queiroz/ND

Já na suíte, o conforto era ainda maior. Uma cama king size, uma TV de LED e mais dois espelhos, além de um closet e uma banheira de hidromassagem.

Seja no sexto ou quinto andar, a escolha da “casa” teve um motivo especial. A vista para a cidade de Chapecó, no sentido Norte. “Do outro lado as janelas dão para uma região que não tem muita coisa. Aqui dá para ver o centro”, continuou o recepcionista Cesar Ferrarezi, que completou com um detalhe importante. “O sol bate aqui o dia todo, desde a manhã até o fim da tarde”.

As únicas pessoas que visitavam o treinador eram a mulher Adriana Mânica Saroli e os filhos. “Ela vinha e às vezes ava 15 dias com ele”, recorda-se. Nem mesmo o presidente Sandro Pallaoro – também morto no acidente – tinha o ao quarto. “Eles sempre conversavam no restaurante lá em cima”, explicou. O funcionário classificou Caio Júnior como um hóspede normal e discreto: “Seus pedidos eram simples. Às vezes comia uma pizza e precisava de talheres. Água… essas coisas”.

Visão panorâmica do apartamento em que morou Caio Júnior - Daniel Queiroz/ND
Visão panorâmica do apartamento em que morou Caio Júnior – Daniel Queiroz/ND
Visão panorâmica do apartamento em que morou Caio Júnior - Daniel Queiroz/ND
Visão panorâmica do apartamento em que morou Caio Júnior – Daniel Queiroz/ND

O mesmo prato quase todas as noites 5w6y4z

Nossa conversa prosseguiu no andar mais alto do hotel, o oitavo, onde se encontram dois restaurantes, um dedicado ao café da manhã dos hóspedes e outro para almoço e jantar. E era neste que o comandante verde se sentia mais à vontade. Sempre atendido pelo maitre Selvino Luiz Ciotta, 58, Caio pedia quase todas as noites o mesmo prato. “Filé à parmegiana. Servia acompanhado de fritas, arroz. A carne é um mignon com queijo e molho de tomate com ervilhas”, afirma o gerente do local há 20 anos.

Garrafa de vinho deixada por Caio Júnior - Daniel Queiroz/ND
Garrafa de vinho deixada por Caio Júnior – Daniel Queiroz/ND

Para beber, Caio gostava de degustar vinho tinto, mas sem nunca exagerar nas doses. “Às vezes ele trazia o próprio vinho, às vezes pedia um”, revelou. Quando queria variar, pedia uma cerveja Eisenbahn pilsen. Ainda segundo o relato de Ciotta, ele nunca pediu outro tipo de bebida. A única exceção era em caso de vitória da Chapecoense, mas para não recusar um presente de um médico da cidade. “O doutor Lauro Sandrin [amigo de Caio] ligava aqui e mandava liberar um espumante para ele”.

Na adega do bar ainda está a garrafa de um cabernet sauvignon tinto seco devidamente identificada com o nome e quarto do dono, consumida pela metade: “Caio Júnior 511”. “Esse era dele. Ficou aqui”. O destino da bebida ficará a cargo da família, assim como os demais pertences.

Selvino também mostrou a mesa onde o treinador gostava de se sentar. Redonda, próxima das janelas, mas curiosamente com vista para o lado oposto ao da sua suíte, mas com fácil explicação. Ela fica bem de frente ao telão. “Ele chegava e pedia para a gente colocar no futebol e ficava assistindo às reprises dos jogos”. Quando estava com a mulher, ele sempre se colocava à direita dela, que o acompanhava no vinho.

Generosidade e convite para embarque 3a6k5x

O cliente quase exclusivo rendeu uma boa fidelidade entre ambos e uma ajudinha no bolso. “Toda vez ele vinha e me dava uma boa gorjeta”, brincou Selvino Luiz Ciotta, sem revelar o valor, mas com um sorriso de quem não tem do que reclamar.

Selvino prepara mesa preferida por Caio Júnior - Daniel Queiroz/ND
Selvino prepara mesa preferida por Caio Júnior – Daniel Queiroz/ND

O reconhecimento se dava principalmente quando os membros da comissão técnica o acompanhavam no jantar e a conversa ultraava a meia-noite e meia, horário de fechamento do lugar. “Ele insistia. Dizia que eu o ajudava e fazia questão. Ele só não gostava quando pedia algo no quarto e eu descia para levar pessoalmente. Ele falava ‘Selvino, não precisa fazer isso. Manda os teus meninos ajudarem, senão parece que eu tô te explorando’”.

A proximidade entre ambos rendeu um convite, que por sorte, Salvino não aceitou. “Ele me falou que se o time fosse para final ele ia me levar. Eu disse que não podia. Imagina, deixar o meu trabalho aqui. Não posso”. É só por isso estamos contando esta história.

Mas Caio insistia em demonstrar o carinho a quem o servia quase que diariamente. Depois da classificação às semifinais, quando o Verdão do Oeste eliminou o Independiente nos pênaltis, um pedaço daquele jogo hoje pertence ao maitre. “Ele falou que ia tirar o agasalho do próprio corpo e me dar. E foi o que ele fez”, orgulha-se, ao mostrar a foto do momento registrada em seu celular.

Neste sábado, quando o corpo do treinador chegar à Arena Condá, além dos pertences no quarto, meia garrafa de vinho e uma BMW na garagem do hotel, Caio Júnior também fará seu check out da cidade que o acolheu para ficar não apenas nos registros de hóspedes, mas eternizado no coração de cada morador da simpática e enlutada Chapecó rumo a Curitiba, onde será sepultado.

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