Sábado e domingo. Haverá dia em que se coma mais do que no domingo? É no fim-de-semana que os estômagos e as mandíbulas se divertem, experimentando as iguarias que o palato vai acariciando, como se degustasse a última refeição no Jardim do Éden.
O suco gástrico é atiçado pelas glândulas das mucosas estomacais, reagindo à visão dos alimentos – e é por isso que, não à toa, se diz que um glutão tem o olho maior que a boca.

Domingo. Um dia, muitas bocas. Não há regime que não se curve a essa mastigação, refém de três sentidos: os do olfato, palato e visão. “O que os olhos não veem o coração não sente” – diz o velho e gasto adágio dos que traem.
Já tudo o “que os olhos veem, ao contrário, o estômago sente imediatamente” – como bem ite o adágio dos Pantagruéis.
Já viram como no domingo todo mundo conversa melhor? Não há quem não fie ótima conversa em torno de uma boa mesa, távola redonda onde se depositam os sacramentos do domingo. Uma macarronada. Um churrasco. Um bacalhau. Uma carne assada. Um filé de peixe. Uma lasanha. O fim de semana é essa “bernunça”: todos comem tudo “o que lhes dão”. E não basta a boca. O olho também precisa ser grande.
Apetite que um magro glutão, um “grande” da literatura portuguesa, distribuía com lusitana generosidade por sua obra literária, repleta de cheiros e sucos, carnes e molhos. Ler Eça de Queiroz é percorrer um cheiroso cardápio, ou, como dizem os da terrinha, uma interminável “ementa”. São as galinhas de cabidela, vitelas assadas, línguas estufadas, bacalhaus ao forno, bifes em frigideiras de barro, cozidos à moda “alfacinha” e até uma sopa de grelos.
Um “bacalhau assado ao forno” fez o regalo do Ega e do Palma Cavalão de “Os Maias”, enquanto “O Primo Basílio” – o próprio – se deliciou com uma “Carne assada à moda da Luíza”, misturando alcova e gastronomia.
Um domingo dos anos 1950, para mim, tinha o rosto de uma lasanha gratinada, entre camadas de queijo e presunto – “pasta” fabricada em casa pelo improvisado avental e meu pai, exímio chef amador, em manhã de movimentar o rolo sobre as massas “sovadas” e de “salpicar” farinhas sobre aquela mistura, como se a benzesse.
Ao lado, no papel de coadjuvantes, o cigarro “Liberty” e um copo da cerveja Faixa Azul, casco escuro, estupidamente gelada…
“Só pra começar os trabalhos”, como, aliás, se diz até hoje na hora de inaugurar a comilança.