Provavelmente você conhece alguma família em que todos os filhos têm os nomes com as mesmas iniciais, não é? Na casa da professora Jeruse Romão, em Florianópolis, também era assim, com quase todos os filhos batizados com nomes iniciados em J. O quase é porque, no meio de todos eles, havia uma Antonieta que chamava a atenção.
O nome da irmã de Jeruse é um indício do quanto uma personalidade com a mesma alcunha esteve presente desde a infância na vida da professora. Estamos falando de Antonieta de Barros, professora, jornalista, primeira deputada mulher de Santa Catarina e primeira deputada negra do Brasil. Nascida em Florianópolis, ela completaria 120 anos em 2021.
Com outra Antonieta em casa, em homenagem à educadora catarinense, Jeruse sempre ouviu falar da importância das irmãs Barros, Antonieta e Leonor, que também era professora. “Minha mãe era uma professora e Antonieta foi extremamente celebrada por uma geração de professores, especialmente de professoras negras”, lembra.

O que começou em casa continuou também durante a formação no Magistério e na atuação como assessora parlamentar. Em todos os espaços, Jeruse tentava resgatar as histórias de personalidades negras catarinenses que, segundo ela, são menos conhecidas do que as trajetórias de pessoas de outras partes do país e mesmo de fora dele.
Foi assim, buscando resgatar a história de Antonieta, que Jeruse participou da criação da Medalha Antonieta de Barros ― concedida pela Câmara de Vereadores de Florianópolis a mulheres que se destacam em trabalhos pela sociedade ― e da criação de uma política pública para a juventude negra que também leva o nome da deputada e é a primeira iniciativa do gênero em uma assembleia legislativa do Brasil.

Apesar de toda uma vida ligada ao resgate da história de Antonieta de Barros, a ideia da biografia sobre a catarinense que Jeruse lança na próxima quinta-feira (20) surgiu quase sem querer. Ela escrevia um artigo sobre a trajetória da educadora e deputada quando pensou em uma abordagem diferente sobre o assunto.
“Ela foi a primeira deputada negra do Brasil, essa é a referência que a torna conhecida, um ícone. Mas há um conjunto de fatores que fizeram com que ela alcançasse esse lugar que não são conhecidos ou são silenciados. Ela não vai para a política como tábua rasa, puxada do nada. Ela já tinha em casa muitas experiências da família no universo público”, fala.
Quase três anos de pesquisa e muitos desafios 6y6s27
Foram quase três anos desde a ideia de criação do livro até esta semana, quando ele será lançado em uma live por conta da pandemia do coronavírus. Durante esse período, o grande desafio foi, de fato, encontrar materiais sobre a trajetória de Antonieta de Barros já que, segundo Jeruse, o acervo sobre a deputada é pouco organizado no Estado.
Os livros e outros registros da escola particular criada por Antonieta em Florianópolis, por exemplo, não foram encontrados pela autora. Além disso, houve muita dificuldade em recuperar arquivos nos acervos públicos de Santa Catarina: alguns dizem não ter nenhum documento sobre ela, enquanto outros, de acordo com Jeruse, são desorganizados, dificultando a pesquisa.
Diante disso, a professora entrevistou antigos alunos de Antonieta destacando a história oral no livro. Ela também encontrou familiares da deputada, sobrinhos-netos que falaram sobre ela e revelaram um acervo com objetos pessoais, como taças e um álbum de fotografias. Aliás, Jeruse ressalta que a família quis entregar os itens ao poder público, mas eles não foram recebidos.

Quem foi Antonieta de Barros 501x33
Basta uma rápida pesquisa para descobrir que Antonieta foi a primeira deputada negra do Brasil, um grande feito. Apesar disso, o conhecimento sobre a personalidade catarinense fica às fileiras acadêmicas e pouco se fala sobre quem foi Antonieta fora da assembleia legislativa.
“Ela foi uma mulher negra que teve uma escola particular e influenciou muitas pessoas que ocuparam cargos públicos. As irmãs Barros foram professoras de dois governadores de Santa Catarina. Então, eu quis trazer essa dinâmica, o pensamento dela em educação, o protagonismo dela na imprensa”, destaca Jeruse.

Assim, nas páginas do livro “Antonieta de Barros: professora, escritora, jornalista, primeira deputada catarinense e negra do Brasil”, a professora trata, justamente, de todos os espaços pelos quais Antonieta circulou até a sua morte, em 1952, com 50 anos. Tudo isso com registros sobre o contexto histórico de uma época ainda mais racista e machista.
Jeruse fala, por exemplo, sobre as colunas escritas por Antonieta em que ela comentava sobre questões feministas, ainda que de forma conservadora por seguir o catolicismo. “Ela foi completamente repudiada pela ala conservadora da igreja porque trazia o debate sobre o divórcio”, conta.
Na questão racial, teve destaque a crônica escrita por um colega de assembleia que disse que os escritos de Antonieta eram “intriga barata de senzala”, o que não ficou sem resposta: “Assim, não houve intriga, nem barata, nem cara. Foi mero engano de Sua Excelência. A nossa palavra não tem preço. A chave de ouro, com que fechou o seu monumental discurso, não nos ofendeu. A ofensa viria e nós a repeliríamos, se vislumbrássemos que quis chamar-nos de ‘branca’”, reagiu Antonieta afiada.
Apesar disso, para Jeruse, a maior bandeira de Antonieta, como ela mesma afirmou à época, era a educação. “Ela acreditava que a educação resolveria todas as outras coisas”.
Livro traz novidades sobre a história de Antonieta de Barros 286t43
A professora Jeruse ressalta que o livro traz novidades sobre a trajetória de Antonieta, como a biografia do pai da deputada, que por muitas vezes foi ocultada. “Sempre se disse que ela poderia ser filha do Nereu Ramos, mas a mãe dela colocou na certidão de nascimento quem era o pai e nós estamos apresentando a biografia dele”, fala. Outros aspectos também são desvendados ou mesmo “corrigidos”, já que muitas informações conhecidas sobre a trajetória de Antonieta são incorretas.
O livro será lançado na quinta-feira (20), às 19h30, por meio da plataforma Zoom em link disponibilizado no Instagram da Cais Editora. O evento também vai contar com a presença de músicos de Florianópolis, dos sobrinhos-netos de Antonieta e de outras pessoas envolvidas na produção do material. A obra já está sendo vendida por R$ 60 em espaços de todo o Estado.