Do antigo porto à poluição: conheça o Rio Tavares, segundo maior rio da Ilha de SC 5s5k70

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Com quase 12 quilômetros de extensão, rio sobrevive pressionado pela ocupação urbana

Internacionalmente conhecida por suas belíssimas praias, Florianópolis tem hoje 52 rios nomeados. Um deles é o Rio Tavares, no Sul da Ilha de Santa Catarina, cuja nascente fica no Morro do Badejo, dentro do Parque Natural Municipal do Maciço da Costeira.

Rio Tavares é pressionado pela ocupação urbana, na SC-405 – Foto: Anderson Coelho/NDRio Tavares é pressionado pela ocupação urbana, na SC-405 – Foto: Anderson Coelho/ND

Com 11,7 quilômetros de extensão, já abrigou um porto (onde atualmente funciona um posto de gasolina, junto ao Elevado do Rio Tavares). A estrutura era usada para levar produtos agrícolas e pescados até o Centro da cidade, e trazer outras mercadorias, como tecidos, potes de barro e alguidares. Hoje, segue um novo curso, ando por áreas urbanas e manguezais, porém espremido entre áreas densamente ocupadas.

“As pessoas saíam lá da altura do Armazém Vieira, vinham pela Baía Sul e entravam pela foz do rio até o porto”, conta o aposentado Pedro Paulo Batistotti, 70 anos, morador há mais de três décadas do bairro Rio Tavares.

“Antigamente, o rio era bem diferente do que é hoje. Era limpo e muito mais fundo, a gurizada vinha nadar aqui e muitos pescavam. Agora virou só um canal”, diz.

Do alto de sua propriedade, Batistotti aponta para as margens do rio, as quais ele está reflorestando para evitar a erosão do solo e o assoreamento do leito.

Pedro Paulo Batistotti: “o rio Tavares virou um canal” – Foto: Anderson Coelho/NDPedro Paulo Batistotti: “o rio Tavares virou um canal” – Foto: Anderson Coelho/ND

As terras de Tavares 1x5571

Conforme relatos de antigos moradores, colhidos pelo historiador Hugo Adriano Daniel no livro Campeche: um lugar no Sul da Ilha, antes de ser retificado, o rio corria nos fundos da propriedade de Miguel Tavares da Costa, na localidade do Porto do Rio Tavares.

Antes de chegar ali, ava também pelas terras de João Tavares da Costa, nas proximidades da Igreja de Pedra. Veio daí seu nome e o do bairro, que hoje abriga mais de 10,6 mil pessoas, segundo o IBGE (Censo 2010).

Naquela época, a largura do rio chegava a 30 metros na região do porto, e uma balsa era utilizada para sua travessia. Esse equipamento deixou de ser utilizado entre 1920 e 1925, sendo substituído por uma ponte de madeira, conhecida como Ponte do Odorico.

Mudança de curso e poluição g3n2y

Retificado na década de 1970, o rio Tavares abandonou suas curvas sinuosas no pé do morro. Mais tarde, ou a receber o esgoto pluvial de condomínios adjacentes.

“Vieram pedir para colocar tubulação no meu terreno, mas a água que está saindo dali não é limpa, o cheiro é ruim e nem os gansos querem mais nadar e beber água nesse rio”, conta Batistotti, que também cria ovelhas e patos.

Retificação dos rios se acelerou na década de 1970 na Ilha de Santa Catarina – Foto: Anderson Coelho/NDRetificação dos rios se acelerou na década de 1970 na Ilha de Santa Catarina – Foto: Anderson Coelho/ND

Ele cita ainda a ocorrência de despejos por parte de empresas limpa-fossas em outros pontos do rio. “A prefeitura vem fiscalizar, eles param por um tempo, depois voltam”, afirma.

A retificação de rios começou na década de 1950, com o antigo DNOS (Departamento Nacional de Obras de Saneamento) e se acelerou nos anos 1970. Conforme o chefe do Depuc (Departamento de Unidades de Conservação) da Prefeitura de Florianópolis, Mauro Manoel da Costa, o objetivo era secar as áreas alagadiças garantindo espaço para a agropecuária.

Depois que a cultura agrícola declinou, criaram-se áreas para a exploração imobiliária. Com o avanço da ocupação não só do Rio Tavares, como também da Planície Entre Mares no Campeche – que abrange 65 km² de restinga e mata atlântica -, aumenta a quantidade de resíduos que vão parar nos cursos d’água.

Principais problemas 3v4p6m

Poluição, falta de cuidados e acelerado processo de urbanização se somam aos períodos de estiagem cada vez mais frequentes. Além da reduzida cobertura do sistema de coleta e tratamento de esgotos.

“Ao ar pelas áreas urbanas, a água limpa que vem das encostas do Maciço da Costeira recebe uma série de resíduos que vão acabar no manguezal. Quando não cuidamos dos rios e córregos na parte urbana, eles chegam à foz totalmente alterados e comprometem também a qualidade da água das praias. Embora as nascentes ainda estejam preservadas, é durante sua agem pela área urbana que os rios são poluídos”, afirma o chefe do Depuc.

Projeto da SOS Mata Atlântica monitora a qualidade das águas do rio Tavares – Foto: Anderson Coelho/NDProjeto da SOS Mata Atlântica monitora a qualidade das águas do rio Tavares – Foto: Anderson Coelho/ND

Com o rio canalizado e uma ocupação que não respeita o limite de preservação das margens (com média de 30 metros), é preciso um trabalho contínuo de limpeza e recuperação.

“No processo de dragagem e limpeza das margens, a raspagem feita com máquinas retira tudo, até mesmo pequenos animais que vivem no leito dos rios. E a destruição das matas ciliares acaba favorecendo a invasão das braquiárias”, explica Mauro.

Além disso, ao comparar o mapa hidrográfico de 2019 (e a abundância de cursos d’água na Ilha) com a situação real dos rios e córregos, é possível perceber que muitos estão canalizados e cobertos por vegetação, ando despercebidos pela população.

“Pelo aspecto visual e falta de cuidados, eles acabam sendo tratados como valas, retificados e canalizados em tubulações”, diz o filósofo e técnico em Agrimensura, Rodrigo Dalmolin. O filósofo se considera um “mateiro”, e seu trabalho de campo ajuda a mapear os rios e nascentes de Florianópolis. Como resultado, o número de rios nomeados na Capital ou de 35 no ano 2000, para 52 em 2019.

Vermes, coliformes e lixo flutuante 5r5sp

Segundo análises periódicas feitas por um grupo local de voluntários do projeto Observando os Rios, a qualidade da água do rio Tavares é regular.

Treinado pela Fundação SOS Mata Atlântica, que criou o projeto, o grupo realiza coletas uma vez ao mês em dois pontos do rio. As análises mostraram a presença de larvas, vermes, coliformes, lixo flutuante e pH ácido.

De acordo com o coordenador técnico do projeto, Gustavo Veronesi, os resultados significam um ponto de atenção. “Apesar da imagem maravilhosa da cidade, quando olhamos para seus rios e a baixa cobertura de tratamento de esgoto, vemos um sinal de alerta porque a possibilidade de poluir é enorme e despoluir é sempre mais difícil”, afirma Veronesi.

O projeto coleta amostras em 300 pontos no Brasil e todos os dados estão abertos para a sociedade. Em Santa Catarina, há 11 grupos de monitoramento, sendo nove na Capital e dois em São José. Porém, os trabalhos foram interrompidos em março por conta da pandemia.

A expansão de empreendimentos imobiliários e o adensamento de regiões próximas aos cursos d’água também pressionam as fontes de água potável e a capacidade dos lençóis freáticos.

Em uma cidade que já enfrenta desafios no fornecimento de água para a população, isso é no mínimo preocupante.

Segundo o gerente de Cadastro Urbano e Geoprocessamento no Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis), Kaliu Teixeira, a ocupação do solo e o desmatamento nas margens dos rios expõem a população aos efeitos de inundações, porque os cursos d’água acabam perdendo as áreas de transbordo.

“Muitas vezes o zoneamento é dado pela prefeitura, pelo Ipuf, mas as pessoas não respeitam e constroem avançando sobre essas regiões”, diz.

Possíveis soluções 56gt

Segundo Veronesi, há pelo menos duas legislações federais que tratam da proteção dos rios: a lei das águas (9477/1997) e a do saneamento básico (11.445/2007). Essa última estabelece metas para fornecimento de água potável e de cobertura do saneamento básico, e seu novo texto foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no último dia 15 de julho. A partir dela, os municípios podem definir investimentos para o setor.

E para salvar os rios, é preciso pensar em estratégias de recuperação para evitar o assoreamento e garantir a qualidade das águas, de olho nas futuras necessidades de abastecimento.

Entre as soluções, diz Veronesi, estaria o investimento em políticas sociais e educativas, moradias para população de baixa renda e maior integração entre órgãos do governo na defesa do meio ambiente.

“Não dá para jogar a responsabilidade apenas sobre a educação ambiental, é preciso ter uma política habitacional, porque não dá para falar de saneamento se não tiver habitação. Quem não tem onde morar, vai se virar onde dá”, opina o coordenador.

Rodrigo Dalmolin e Mauro Manoel da Costa: 52 rios nomeados na Ilha – Foto: Anderson Coelho/NDRodrigo Dalmolin e Mauro Manoel da Costa: 52 rios nomeados na Ilha – Foto: Anderson Coelho/ND

Para Mauro Manoel da Costa, as áreas onde os rios estão conservados precisam ter também a vegetação do entorno preservadas, pois elas são APPs (áreas de preservação permanente).

“Pela lei, não podem ser desmatadas. Se conseguíssemos recuperar um lado das margens, com plantio de arbustos, teríamos áreas de sombra que impedem o desenvolvimento das espécies invasoras. Elas também formam um corredor para a fauna local, evitando a erosão genética e favorecendo a propagação de sementes”, afirma Mauro.

“Cinco ou dez metros já seriam suficientes para garantir esses corredores”,diz Mauro. “É importante que a população leve em conta a questão dos rios como corredores ecológicos nas revisões do Plano Diretor”, completa Kaliu.

Ações de preservação 4e44y

Toda a área de mangue e da foz do rio Tavares (4.913 metros do rio) são protegidos pela Resex (Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé), unidade de conservação federal istrada pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

A gestão, entretanto, é feita por um conselho deliberativo formado por pescadores, ONGs e universidades, além do próprio instituto.

Rio Tavares deságua no mar da Baía Sul, em Florianópolis – Foto: Anderson Coelho/NDRio Tavares deságua no mar da Baía Sul, em Florianópolis – Foto: Anderson Coelho/ND

Isso porque grande parte da pesca depende dos manguezais, ecossistemas do bioma Mata Atlântica que são verdadeiros berçários para peixes, moluscos e caranguejos, que ali nascem e se desenvolvem antes de ir para outras áreas ambientais, como o rio e o mar.

Conforme o analista ambiental do ICMBio, Marcelo Silveira, o principal objetivo é garantir o modo de vida dos pescadores artesanais.

“O trabalho inclui rondas para identificar ocupações e ações de degradação e também ajuda na construção do ordenamento para a pesca, com vistas a manter a sustentabilidade do uso dos recursos pesqueiros”, afirma.

Mais de 200 moradores do bairro anexo à foz do rio, na Costeira do Pirajubaé, têm permissão para pescar e realizar atividades de turismo comunitário, operadas e autorizadas pelo ICMBio.

Pescador Aloísio de Andrade continua na atividade por hobby – Foto: Anderson Coelho/NDPescador Aloísio de Andrade continua na atividade por hobby – Foto: Anderson Coelho/ND

“Mesmo sendo utilizado por poucas pessoas, sem ordenamento o recurso poderia se esgotar. Estamos concluindo o plano de manejo da Resex com normas para uso dessa área e faremos o ordenamento da pesca de peixes, camarão e berbigão na parte marinha. A partir do plano de manejo, será permitido aos pescadores cadastrados no ICMBio extrair caranguejos do manguezal. Mas, a pesca no rio continua proibida”, explica Silveira.

A multa para quem for pego pescando sem autorização é de, no mínimo, R$ 700, mas o valor pode aumentar dependendo da quantidade de peixes capturada.

O manezinho Aloísio de Andrade, 48 anos, é um dos pescadores da região. Ele conta que sempre acompanhou o pai na pesca, mas que atualmente continua na atividade apenas como atempo. “Nasci e me criei dentro d’água, mas hoje não dá para sustentar uma família com isso. Pesco mesmo porque me dá prazer, é o que me mantém vivo”, afirma.

Radiografia do Rio Tavares 3ol1h

  • Extensão: 11,7 km, segundo maior da Ilha depois do Rio Ratones, com 12,4 km
  • Localização: nascente no Morro do Badejo, dentro do Parque Natural Municipal do Maciço
    da Costeira, no bairro Rio Tavares; foz na Baía Sul, junto à rodovia Diomício Freitas, em Carianos
  • Principais tributários: rio Pirajubaé, que desce dos morros do Parque Natural Municipal do Maciço da Costeira, no bairro Rio Tavares; e Ribeirão da Fazenda, que sai das encostas do Monumento Natural Municipal da Lagoa do Peri, aglutinando no caminho o curso do Córrego do  Sertão da Fazenda, cuja nascente está dentro do mesmo parque.
  • O rio Tavares e seus afluentes formam a segunda maior bacia hidrográfica da Ilha (Bacia do
    Rio Tavares) com uma superfície de 48,64 km², atrás apenas da Bacia de Ratones (61 km²).
  • Ele a pelo maior manguezal da Ilha com cerca de 8 km², envolvendo o bairro Carianos
    e o aeroporto internacional Hercílio Luz.