
A mudança do mix do Mercado Público de Florianópolis, concluída em 2015, acompanhada da reforma do prédio e de melhorias nos sistemas de segurança, deram ao primeiro grande centro comercial da Ilha de Santa Catarina um status que é ressaltado por nove entre dez lojistas, funcionários e frequentadores da casa.
Há quem cite com alguma nostalgia o velho modelo, mas sem o o dado há quatro anos o mercado não teria se igualado a outros que são lembrados como referências no país e fora dele.
Como a inauguração do novo aeroporto e a iminente conclusão da reforma da ponte Hercílio Luz, este evento contribuiu para dar um ar mais moderno à capital catarinense – vítima de históricos embates entre o ado de letargia endêmica e a busca da condição de cidade cosmopolita que sempre perseguiu.
“Conheço mercados de 34 países e posso afirmar que o nosso é o melhor do Brasil, superior até que o de São Paulo”, afirma Beto Barreiros, proprietário do Box 32. Ele destaca a diversificação, característica que avançou em relação ao mix anterior, a segurança jurídica e sanitária e o caráter democrático do mercado, que não se perdeu com a transformação processada nesta década.

“Lá fora, o pescador e o senador não falam um com o outro, mas aqui isso é possível”, ressalta o lojista, ele próprio um incentivador e agente das mudanças do Mercado Público. “Este é o mercado mais democrático do Brasil e, como os seus congêneres, uma sala de visitas da cidade.”
Há poucas informações sobre o número de frequentadores, o faturamento do mercado e o quanto ele representa na arrecadação do município. Sabe-se que são 114 boxes (sendo 104 licitados e dez destinados pela Prefeitura a entidades e a ações sociais), cerca de 1.100 funcionários diretos e uma movimentação que abrange um mix de produtos que não existia até 2015.
O espaço é vinculado legalmente à municipalidade, que recolhe os aluguéis e rea parte da receita para a Associação do Mercado Público Municipal de Florianópolis, a quem cabe cuidar da segurança e da limpeza da estrutura. A Secretaria de istração da Prefeitura é responsável pela manutenção predial e reformas necessárias, mas vem protelando as intervenções porque espera o resultado da licitação realizada para contratar uma empresa responsável por isso.

Concentração de manezinhos 394c15
Um dos progressos trazidos pela transformação do Mercado Público foi a ampliação do número de negócios – hoje, são 58 ramos contemplados, do velho caldo de cana a uma tabacaria, a lojas que vendem linhas e chapéus e a empórios, cafés e a restaurantes que se revezam aos domingos, quando o centro da cidade costuma esvaziar, quase sem opções para um prosaico lanche, exceto nos shopping centers.
“O número de lojas de calçados caiu de quase 40 para oito e há espaços cedidos a um bazar solidário e entidades assistenciais, além de melhores condições de ibilidade”, destaca a gerente da Associação do Mercado Público, Fátima Bernardi, há quatro anos na função. Ela ite que há inadimplência no pagamento dos aluguéis e no rateio das despesas dos lojistas, mas garante que o índice não a de 5% e que “a situação vem sendo regularizada”. A associação tem uma empresa de cobrança contratada para acionar os devedores.
Se o Box 32 emprega 30 pessoas, o empório de Nelson Luiz da Silva mantém a estrutura familiar que sempre caracterizou o negócio e recebe os filhos e netos de antigos frequentadores. “O mercado ainda é um ponto que concentra boa parte dos manezinhos da Ilha, além dos clientes e dos turistas”, diz o lojista.
Como outros estabelecimentos que permaneceram, ele precisou se adaptar e diversificar os produtos oferecidos à clientela. Desde 1962, a família toca o negócio, no início apenas com carne, depois com o empório mais movimentado do mercado. “Tem gente que vem ao centro todos os dias só para andar aqui dentro”, garante Nelson.

Menos satisfeito que os demais, o dono de peixaria, Ronaldo Oliveira, concentra suas críticas na falta de mobilidade da cidade e prevê um verão de filas e congestionamentos na cidade. Lembra que no entorno no Mercado Público a segurança é precária a partir das 19h e que lojas vêm fechando as portas nas quadras ao redor do estabelecimento. Há 35 anos no local, ele compara Florianópolis a Balneário Camboriú, onde “tudo funciona”. O movimento caiu a partir de agosto, mas seu temor mesmo é com a cidade travada quando começar a alta temporada turística.
Modelo para outros mercados 622l1w
Habituado a frequentar o Mercado Público desde criança, o Aldoney de Brito, 54 anos, tem autoridade para falar das várias fases que marcaram a história da casa, em especial a que sucedeu a mudança do mix, em 2015. Herdeiro do Bazar Brito, loja de confecções que já funcionou em frente à rua Jerônimo Coelho e hoje fica na Conselheiro Mafra, ele acha que o mercado está mais limpo e organizado, tem maior diversidade de lojas e produtos e apresenta padrões de segurança inéditos, com reservatório de água, detector de fumaça e sistema modelar de prevenção de incêndio. “Somos o único mercado público do Brasil com habite-se dos bombeiros”, destaca o lojista.
Esses diferenciais fizeram com que congêneres de outras regiões do país, e cidades que ainda estudam criar mercados municipais, peçam informações e analisem o sistema utilizado em Florianópolis. “Porto Alegre, Foz do Iguaçu e Belém do Pará buscaram dados sobre o nosso modelo de licitação e gestão istrativa”, diz Aldoney.

Seu comércio, aberto em 1973 pelo pai, Aldo de Brito (que teve o primeiro alvará oficial de funcionamento), ainda sofre com a mudança de lugar no mercado, mas ele acha que a população se adaptou bem ao novo mix. “A casa só é menos visitada pelos turistas do que a ponte Hercílio Luz, e se tornou um case premiado, o que atesta o acerto da mudança”, afirma o lojista.
O comerciante recorda do mar batendo atrás do Mercado Público e do ex-governador Colombo Salles visitando as obras do aterro da Baía Sul. “Todos os dias, o motorista parava ali perto, o governador descia, cumprimentava as pessoas, conferia os trabalhos e ia para o palácio”, conta Aldoney Brito. Ele ressalta a diversificação das opções oferecidas à população, incluindo as lojas de artesanato de raiz da cidade e o posto de informações turísticas, mas adverte que há melhorias a serem feitas e que a prefeitura de Florianópolis vem improvisando na manutenção. “Pelo contrato, o município deve aplicar 30% do que arrecada com aluguéis na conservação do prédio, o que não está acontecendo”, denuncia.

LINHA DO TEMPO 3x15u
Fevereiro de 1899 – Inauguração do Mercado Público Municipal de Florianópolis, com apenas uma ala, substituindo o antigo mercado que funcionara na praça Fernando Machado.
Janeiro de 1931 – Inauguração da segunda ala, num aterro que avançou sobre o mar, utilizada especificamente para a venda de pescado e carnes.
1974 – Fim do contato do mercado com o mar, por causa da construção do aterro da Baía Sul. O que era trazido em embarcações ou a ser entregue por caminhões e outros veículos.
1984 – Instalação do Box 32, que ajudou a dar nova dinâmica ao mercado, com o foco numa clientela mais seleta e a turistas, autoridades e nomes conhecidos do esporte e das artes.
Março de 1984 – Tombamento do prédio como patrimônio histórico municipal.
Agosto de 2005 – Incêndio destrói praticamente toda a ala norte. Falhas no sistema de prevenção e segurança decretaram a tragédia e apressaram o movimento pela transformação, o que veio a ocorrer só uma década depois.
Março de 2010 – Uma série de reportagens do jornal Notícias do Dia mostra a dura realidade do mercado e a resistência dos lojistas a uma mudança do mix. A Prefeitura itia que 45% dos boxes estavam inadimplentes com o município.
Novembro de 2010 – Depois de 83 dias de trabalho, comissão de licitação apresenta ao prefeito a proposta de mudança do mix.
Abril de 2011 – Licitação entra na reta final, com a entrega de 201 propostas feitas por 151 empresas para os 123 boxes disponíveis.
Junho de 2012 – Prefeitura fecha 32 boxes de comerciantes que não cumpriram prazo para negociar o pagamento dos débitos.
Janeiro de 2013 – Um incêndio atinge o box 44 da ala norte.
Maio de 2013 – Licitação para mudar o mix do mercado avança, oferecendo opções como livraria, floricultura, padaria e alimentos regionais.
Outubro de 2013 – Prefeitura conclui licitação das lojas de acordo com o novo mix. Cento a quarenta empresas disputam os espaços disponíveis.
Setembro de 2014 – Prefeitura trabalha no projeto de cobertura do vão central.
Abril de 2015 – Reabertura da ala sul, com novo mix, encerra polêmica de 20 anos.
Junho de 2015 – Boxes da ala sul são liberados para os comerciantes. Prefeitura divulga regras de funcionamento.
Agosto de 2015 – No dia 5, o público invade o corredor da ala sul e o entorno para conhecer o novo Mercado Público. Shows marcam a reabertura definitiva da casa.