Na tarde desta terça-feira (1), Jair Bolsonaro falou como se ainda fosse candidato, como um mau perdedor, como se já fosse ex-presidente, como se fosse candidato novamente, falou como líder da oposição, mas não falou o que se esperava ouvir de alguém que ainda está no cargo que ocupa: a Presidência da República.

Em um discurso cheio de idas e vindas, deu margem para que as manifestações continuem. Não deixou explícito o quanto são nocivos os protestos anti-democráticos que se alastram pelo país. Falou em respeito à Constituição, mas terceirizou ao chefe da Casa Civil o anúncio de que haverá uma transição junto ao candidato eleito.
Para um país dividido, não reconheceu a vitória do oponente e colocou em xeque a lisura do processo eleitoral no qual saiu derrotado.
“Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”, disse.
Sem um recado claro para que seus apoiadores desbloqueiem as ruas, afirmou que os protestos são aceitáveis.
“As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas. Mas, os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedade, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir”.
Em tempos de falta de bom senso, qual é a régua para medir o que é pacífico ou não?
Discurso de candidato 4z1m1f
Quem esperava um discurso de presidente da República – quase dois dias depois de encerrado o pleito – assistiu à fala de um candidato. Como se as eleições de 2022 ainda não tivessem ocorrido, ou como se estivéssemos às vésperas da votação de 2026.
“A direita surgiu de verdade em nosso país. Nossa robusta representação no Congresso mostra a força dos nossos valores: Deus, pátria, família e liberdade. Formamos diversas lideranças pelo Brasil”.
Bolsonaro se apresenta como o líder dessa direita. Diferentemente do recado obscuro que deixou sobre as manifestações, foi textual ao dizer que é o comandante de milhões de brasileiros que se posicionam à direita.
“Quero começar agradecendo os 58 milhões de brasileiros que votaram em mim no último dia 30 de outubro. É uma honra ser o líder de milhões de brasileiros que, como eu, defendem a liberdade econômica, a liberdade religiosa, a liberdade de opinião, a honestidade e as cores verde e amarela da nossa bandeira”.
Em uma tentativa de prestar contas, como se ainda estivesse em busca de votos, o candidato derrotado falou em superação.
“Mesmo enfrentando todo o sistema, superamos uma pandemia e as consequências de uma guerra”.
Olhando para frente, tirando o foco do hoje – com estradas bloqueadas por manifestantes golpistas – Bolsonaro se colocou como candidato do futuro.
“Nossos sonhos seguem mais vivos do que nunca. Somos pela ordem e pelo progresso”.
Talvez no que seja o mais importante dos pouco mais de dois minutos de pronunciamento, o “presidente e cidadão” Bolsonaro reassumiu o compromisso com a Constituição.
“Sempre fui rotulado como anti-democrático e, ao contrário dos meus acusadores, sempre joguei dentro das quatro linhas da Constituição. Nunca falei em controlar ou censurar a mídia e as redes sociais. Enquanto presidente da República e cidadão, continuarei cumprindo todos os mandamentos da nossa Constituição”.
É o mínimo que se espera.