Procurei de lanterna na mão um assunto para comentar neste Brasil de hoje – um país enfermiço, que não tem comiseração de si mesmo. Os noticiários estão todos ocupados pelas melancolias e discórdias, bandidagens, falcatruas, roubalheiras, as desonestidades de sempre.
Um país inteiro está deitado no sofá de um severo psicanalista, com sua autoestima estacionada no subsolo. Recuso-me, pelo menos hoje, a acompanhar essa depressão geral. Tento me refugiar no ado, ao abrigo de uma velha amiga da humanidade, a incorrigível nostalgia de tempos mais felizes. Mas o momento atual cobra o seu preço.

O ser humano mais conhecido que pude encontrar na esquina da Felipe Schmidt com Trajano, semana ada, foi o “Inconsciente Coletivo”, cidadão intemporal, que flana sobre os telhados de limo. Que “rosto” tem este senhor? Tem a feição das gerações empilhadas numa mesma esquina, no caso, a do antigo Senadinho.
De repente, vejo o histórico senador honorário Alcides Ferreira – quantos de hoje conheceram o personagem? – “enfantasmando” o pedaço, circulando em meio a seus pares, com o seu indefectível terno de linho branco…
O “Inconsciente Coletivo” é a prateleira de tipos populares que um dia decorou o lugar, é o acúmulo de conversas fiadas, causos, opiniões, fofocas, gargalhadas, lamentações ou euforias – é o etéreo empório do cotidiano ali vivido e acumulado por séculos, desde os tempos em que a Felipe tinha outros nomes, muito mais próprios dos que os destinados à glória pessoal de algum potentado.
Sábios eram os portugueses, que batizavam suas ruas com nomes pitorescos, sonantes, encantadores. Nada de nomes de figurões, homenageados pelos puxa-sacos de plantão. Nomes singelos e espontâneos, ditados pelo tal “Inconsciente Coletivo”, a verdadeira alma do povo – como Rua da Paz, Rua da Alegria, Travessa da Glória, Rua dos Fanqueiros, Rua dos Cordoeiros ou Rua do Salitre… Em Floripa, as famílias moravam em ruas de nomes amáveis e naturais. “Praia de Fora”, “Bairro da Toca” (Prainha) ou “Largo da Princesa” (Benjamin Constant).
A Esteves Júnior era a Rua Formosa, a Victor Konder a Mato Grosso e a Mauro Ramos a Rua das Olarias. Até os morros, hoje tomados por uma impenetrável criminalidade, tinham nomes bucólicos, como “Morro da Gasosa”. Sujeito antigo esse Inconsciente Coletivo. Foi o último “Conhecido” que encontrei na velha Felipe – e que me confidenciou todas essas coisas barrocas, verdadeiros bibelôs do que era o bem-viver.Muito prazer, amigo velho.