O último conhecido 29535r

Um país inteiro está deitado no sofá de um severo psicanalista, com sua autoestima estacionada no subsolo 2ug6g

Procurei de lanterna na mão um assunto para comentar neste Brasil de hoje – um país enfermiço, que não tem comiseração de si mesmo. Os noticiários estão todos ocupados pelas melancolias e discórdias, bandidagens, falcatruas, roubalheiras, as desonestidades de sempre.

Um país inteiro está deitado no sofá de um severo psicanalista, com sua autoestima estacionada no subsolo. Recuso-me, pelo menos hoje, a acompanhar essa depressão geral. Tento me refugiar no ado, ao abrigo de uma velha amiga da humanidade, a incorrigível nostalgia de tempos mais felizes. Mas o momento atual cobra o seu preço.

Calçadão da Felipe Schmidt, em Florianópolis – Foto: Flávio Tin/arquivo/NDCalçadão da Felipe Schmidt, em Florianópolis – Foto: Flávio Tin/arquivo/ND

O ser humano mais conhecido que pude encontrar na esquina da Felipe Schmidt com Trajano, semana ada, foi o “Inconsciente Coletivo”, cidadão intemporal, que flana sobre os telhados de limo. Que “rosto” tem este senhor? Tem a feição das gerações empilhadas numa mesma esquina, no caso, a do antigo Senadinho.

De repente, vejo o histórico senador honorário Alcides Ferreira – quantos de hoje conheceram o personagem? – “enfantasmando” o pedaço, circulando em meio a seus pares, com o seu indefectível terno de linho branco…

O “Inconsciente Coletivo” é a prateleira de tipos populares que um dia decorou o lugar, é o acúmulo de conversas fiadas, causos, opiniões, fofocas, gargalhadas, lamentações ou euforias – é o etéreo empório do cotidiano ali vivido e acumulado por séculos, desde os tempos em que a Felipe tinha outros nomes, muito mais próprios dos que os destinados à glória pessoal de algum potentado.

Sábios eram os portugueses, que batizavam suas ruas com nomes pitorescos, sonantes, encantadores. Nada de nomes de figurões, homenageados pelos puxa-sacos de plantão. Nomes singelos e espontâneos, ditados pelo tal “Inconsciente Coletivo”, a verdadeira alma do povo – como Rua da Paz, Rua da Alegria, Travessa da Glória, Rua dos Fanqueiros, Rua dos Cordoeiros ou Rua do Salitre… Em Floripa, as famílias moravam em ruas de nomes amáveis e naturais. “Praia de Fora”, “Bairro da Toca” (Prainha) ou “Largo da Princesa” (Benjamin Constant).

A Esteves Júnior era a Rua Formosa, a Victor Konder a Mato Grosso e a Mauro Ramos a Rua das Olarias. Até os morros, hoje tomados por uma impenetrável criminalidade, tinham nomes bucólicos, como “Morro da Gasosa”. Sujeito antigo esse Inconsciente Coletivo. Foi o último “Conhecido” que encontrei na velha Felipe – e que me confidenciou todas essas coisas barrocas, verdadeiros bibelôs do que era o bem-viver.Muito prazer, amigo velho.

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