A luta pela igualdade de gênero não é recente. Na antiguidade, as tradições da sociedade judaica não permitiam que as mulheres se sentassem à mesa com os homens durante as refeições.
Em diversas culturas, a maternidade era desvalorizada quando dava à luz uma menina. A conquista do espaço na mesa de jantar, a valorização na família e em tantos outros lugares, só foi obtida após anos de lutas.
Na política não foi diferente. Durante o governo de Getúlio Vargas o Brasil presenciou uma mudança histórica da luta feminina: a conquista do voto. Apesar de as mulheres fazerem parte do corpo social, seus direitos à condição de cidadãs foram concedidos apenas em 1932. Naquele ano, pela primeira vez, as brasileiras podiam votar e ser votadas.

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No entanto, mesmo após nove décadas, o índice de representação das mulheres neste meio ainda é baixo. E Santa Catarina acompanha o ritmo nacional.
Levantamento do NDI (Núcleo de Dados e Jornalismo Investigativo) do Grupo ND examinou os registros das 8 últimas legislaturas e identificou os nomes de 46 senadores e suplentes no Senado. A análise iniciou na 49ª Legislatura, em 1991, até a 56ª Legislatura, de 2019.
Deste total, apenas cinco mulheres ocuparam o cargo no Senado, das quais quatro exerceram a função de suplente e apenas uma foi eleita como senadora, Ideli Salvatti (PT).
Isso corresponde ao percentual de 10% de representação feminina eleita quando comparado ao número total de senadores eleitos durante as legislaturas de 1991 a 2019.
O número é ainda mais baixo quando se trata de governadore vice. A análise verificou todas as legislaturas após o período de redemocratização, iniciado no ano de 1987 até o atual.
Foram sete governadores nomeados, excluindo as reeleições, e oito vice-governadores. Desses, apenas uma mulher foi eleita, a atual vice-governadora, Daniela Reinehr (PL).
Essas são as marcas deixadas pela exclusão histórica da mulher na sociedade, que reverbera em diversos campos, inclusive na política, como explica a antropóloga Miriam Pillar: “O sistema político eleitoral, tal como ele está constituído, tem uma origem histórica. Desde a Grécia antiga, a ideia de democracia excluía as mulheres. No mundo ocidental, só vamos ter direito ao voto no século 20. É muito recente”.
Leis e avanços para participação igualitária 5zu6c
Para mudar essa realidade, que perpetua durante séculos, surgiram as cotas de gênero nas eleições. A Lei das Eleições (9.504/1997) estabeleceu que cada partido deve preencher um percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas.
A obrigatoriedade foi estipulada com o objetivo de assegurar a participação igualitária.“Esse percentual é obrigatório. Se não cumprida essa determinação legal, não se aprova o registro de candidatura. O percentual deve ser observado também para um pagamento das despesas e patrocínio dessas campanhas”, explica Sandra Granemann, advogada e membro da comissão de direito eleitoral da OAB/SC.
Se chegar aos espaçosde poder é um caminho tortuoso, conquistar o respeito no pleito, infelizmente, também requer muita luta.“Elas têm que enfrentar a violência política, que é algo gravíssimo”, comenta Miriam.
Para combater a violência política contra mulher, em agosto de 2021, foi sancionada a Lei 14.192. Sandra explica que, por ela ter sido aprovada em um período curto, ainda não há nenhuma conclusão sobre os índices de condenação.
Mas a advogada acredita que, com a evolução do sistema, e das tecnologias, logo haverá sentenças. “Quando se fala de violência contra a mulher, o artigo é bem amplo. Abre uma série de condutas que podem ser consideradas, como violência. Ele diz: considera-se toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir direitos. Ou ainda, distinção, exclusão ou restrição ao reconhecimento do gozo do exercício de direitos e liberdades fundamentais”.
Questões sociais e políticas favorecem a baixa representatividade 2d455s
Na América Latina, há exemplos do avanço democrático da mulher na política. Na Argentina, a representação feminina tem ganhado força com nomes como Susana Malcorra, Patricia Bullrich, María Eugenia Vidal, Gabriela Michetti. E atualmente, Cristina Kirchner, vice-presidente da Argentina. Na Colômbia, foi eleita a primeira mulher negra no cargo de vice-presidente, Francia Márquez.
No Brasil, o cenário é diferente. Desde o início da República, em 1889, com o presidente Deodoro da Fonseca, o poder ou, majoritariamente, pela mão dos homens.
O país nomeou uma única presidente, Dilma Rousseff (PT), não elegemos nenhuma vice-presidente mulher, e tivemos 16 governadoras. Dessas, só oito foram eleitas para o cargo, as demais eram vice-governadoras que ocuparam o posto após a saída do titular.
Os números de exclusão no país não são uma aleatoriedade. “Existe uma memória coletiva, individual e social, que ainda reverbera a ideia de que a mulher não tem capacidade”, explica a doutora em antropologia social, Micheline Ramos.
Além das questões sociais, a formação política atual também desfavorece a participação feminina, como explica o cientista político e professor da Univali, Eduardo Guerini. “Os partidos políticos ainda têm uma característica muito fechada, eles não são porosos aos movimentos sociais. Mas eles também devem ser moldados pelas transformações. Considerando o cenário latino-americano, o Brasil está retroagindo nas questões relacionadas à participação feminina e diversidade”.
Caminhos para melhorar vão de educação ao debate 6t191j
De acordo com dados divulgados pela Câmara de Deputados, no Brasil a Câmara possui apenas 15% de mulheres e no Senado são 12%. Em âmbito municipal, 900 municípios não tiveram sequer uma vereadora eleita nas eleições de 2020.
Diante de tantos índices negativos, é preciso repensar maneiras eficazes de mudar esses dados. O caminho para a mudança segundo Micheline é o debate. “Para mudarmos isso, precisamos debater essa questão de forma educativa. Claro, primordialmente dentro das escolas, mas também em espaços públicos com educação informativa”.
A educação é o caminho para combater os preconceitos que estão no cerne do problema, como explica a estudiosa: “O Brasil é um país ultraado nesse sentido. Precisamos desconstruir preconceitos, isso é fundamental para conseguirmos prosseguir”.
A conscientização é uma das maneiras de mudar essa realidade. Outra forma apontada pela antropóloga é investir em ações afirmativas. “Carecemos de investimentos em políticas públicas, em ações afirmativas e em ações educativas. Para que assim as mulheres realmente tenham uma representação em um poder legítimo. O Estado é fundamental no processo para obter equidade”.
Um estudo divulgado pela União Interparlamentar analisou a composição política de 192 países. O Brasil ocupa a 142ª posição do ranking de representatividade de mulheres na área.
Por isso, a especialista explica que a luta das mulheres deve avançar para obtermos mais participação em todos os aspectos. “As mulheres precisam entender que elas podem. Que elas têm a capacidade. Para isso é um trabalho contínuo e de todas e todos nós. É uma mudança realizada por toda sociedade”.