Que a birra é um dos comportamentos infantis que causam mais pavor nos pais, responsáveis, professores e até profissionais de saúde, todo mundo sabe.
O que poucas pessoas conhecem é um movimento que tem ganhado cada vez mais força entre os pais: a criação neurocompatível. É uma espécie de ativismo pelo desenvolvimento infantil que reúne pais, mães e profissionais interessados nas condições ideias pelas quais os cérebros humanos se desenvolvem e funcionam.
É fundamentada pelas ciências: Psicologia Evolutiva, Antropologia e Neurobiologia e tem como princípios norteadores: relacionamento com as crianças baseados na dignidade humana; ausência de práticas punitivas; confiança nos processos de desenvolvimento maturacional e biológico da infância sem pressões e padrões sociais escravizantes.
O ND+ buscou uma neuropsicóloga, uma nutricionista e duas mães catarinenses para explicar o que é a criação neurocompatível, movimento que tem ganhado força, e como aplicá-la.

De acordo com a neuropsicóloga do HU/UFSC (Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina) e doutora em Ciências da Saúde, Rachel Schlindwein, diversos estudos apontam a influência de fatores biológicos, neuropsicológicos, nutricionais e socioeconômicos no chamado DNPM (desenvolvimento neuropsicomotor) das crianças.
“O DNPM é um processo rico em mudanças físicas, cognitivas e comportamentais devido a interação entre a criança e o ambiente”, explica.
Simplificando, a profissional explica que as experiências vividas por nós na infância interferem nas etapas que virão. Para a neuropsicóloga, o conhecimento dos pais sobre a importância do afeto, das normas sociais, dos marcos motores (idade em que a criança consegue fazer algo como pegar em folhas de papel, por exemplo), da construção de limites e dos processos de relação da criança são muito importantes no desenvolvimento dos filhos.
Para conseguir ter essa atenção com as crianças, a profissional elenca alguns pontos importantes:
– A importância da saúde física e mental de pais e crianças;
– A importância do feto e da delimitação de regras/limites na formação da personalidade;
– O cuidado com modismos na área de saúde mental, priorizando informações científicas em revistas especializadas e conselhos profissionais, por exemplo.
“Come tudo que tiver no prato se não você vai ver só” 32214c
A nutricionista especialista em Saúde da Mulher e da Criança, Rosa Mendes, explica que não se deve obrigar crianças a comer. Ou seja, frases como “come tudo se não você vai ver só”, nunca devem ser ditas.

“A obrigação de ingerir todo o almoço, por exemplo, pode gerar recusa, fazendo com que a criança desgoste ou crie aversão a alguns alimentos”, explica Mendes.
A profissional explica que a alimentação forçada pode também gerar um descontrole na criança, onde os mecanismos de fome e saciedade, que são muito bem regulados na infância, sejam desregulados, podendo ocasionar problemas de compulsão alimentar na adolescência e vida adulta.
Na prática, esses mecanismos nos mostram quando estamos com fome e quando estamos saciados, e se não respeitados na infância, podem ter graves consequências no futuro.
E se meu filho não quiser comer? 1lz5x
A nutricionista explica que a recusa alimentar é algo esperado em determinadas fases. É justamente aí que vem a criação neurocompatível, entendendo que cada fase corresponde a uma nova etapa do desenvolvimento infantil.
“Nesses casos a paciência e a persistência são o foco. Não é forçar a criança a engolir o alimento, mas oferecer uma variedade de alimentos várias vezes para a criança. Podem ser ofertados a partir de diferentes métodos de preparo, como de forma crua ou cozida. Não se deve desistir de oferecer os alimentos que a criança recusou uma ou duas vezes. Persistir na oferta dos alimentos recusados faz parte do processo”, explica.
“Vivemos em uma sociedade sem conhecimento” j17b
Luiza Amandio, de 26 anos, é mãe da pequena Isabel, de 2 anos e 4 meses. Para ela, a criação neurocompatível veio antes mesmo de sonhar em ter uma filha. Ela seguia páginas na internet sobre o assunto e tentava se inteirar sobre os métodos.
“Eu pensava sempre em uma criação mais respeitosa, afinal, viemos de uma educação sem conhecimento, somados a um esgotamento físico e mental e a uma sociedade machista desde os nossos anteados”, explica.
Apesar de acreditar que os pais antigamente criavam seus filhos de acordo com a criação que receberam, Luiza ressalta que é necessário “ressignificar esse modo de educar”.

“Errar é natural. E explicar para o filho o erro e pedir desculpas também faz parte do processo, que muitas vezes pode ser exaustivo mesmo”, ressalta.
Ela ainda explica que é preciso rever crenças como a de que bater educa. Para ela, essas ações acabam destruindo aquele ser humano que muitas das vezes está na fase mais importante da vida.
“Pensar que nós pais, podemos modificar a história dos nossos filhos na gestação e nos primeiros anos de vida simplesmente agindo com amor, respeito, educando de uma maneira mais leve, ressignificando tudo que há dentro de nós, é algo de tamanha grandeza sem explicação”, conta
A visão de Luiza também é compartilhada por Bárbara da Silva, de 34 anos. Mãe da pequena Helena, de 7 anos, a servidora pública decidiu ler muito e fazer cursos na área. Além dos cursos, Bárbara participou de conversas em grupos com outros pais e psicólogos.

“Busquei sempre o melhor para ela. A base da educação que eu escolhi dar pra Helena é o respeito, zero violência, acolhimento, escuta atenta do que ela tem pra me dizer e tempo de qualidade”, finalizou.