Um dos herdeiros de Eggon João da Silva, fundador da WEG, e novo bilionário de Santa Catarina, Lucas Demathe da Silva, 27 anos, trava uma batalha judicial após se envolver em um acidente de trânsito em Florianópolis em 16 de agosto de 2021.
A justiça discute o valor da indenização que deverá ser paga ao Estado pelo atropelamento do motoboy Alexsandro Luiz Antunes, de 24 anos. O bilionário atingiu a moto do entregador na avenida Beira-Mar Norte, no Centro da Capital catarinense. Na ocasião, Silva estaria embriagado e dirigia um carro de luxo acima da velocidade permitida quando furou o sinal vermelho e acertou Alexsandro.

Trabalhador autônomo, Alexsandro ficou internado por 30 dias em estado grave na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Governador Celso Ramos. Ele só conseguiu sair da cama seis meses depois do acidente.
Motoboy e empresário batalham sobre a responsabilização do motorista em um processo que divide Ministério Público, Justiça, réu e vítima – ao qual o ND+ teve o.
Além da multa ao Estado, Lucas enfrenta processo civil para reparar os danos sofridos por Antunes. O entregador deixou o trabalho devido às dificuldade para caminhar e sobrevive com as despesas médicas e um salário mínimo mensal pago pelo novo bilionário. A família pede uma reparação maior, tendo em vista a condição financeira do réu.
Para evitar um processo criminal, Lucas assinou um acordo junto ao Ministério Público em que deveria pagar ao Estado uma quantia em torno de R$ 24 mil. A indenização tem fim educativo, mas a Justiça recusou o acordo em abril deste ano.
Para a juíza Andrea Cristina Rodrigues Studes, da 5ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis, alguém que paga R$ 27 mil de aluguel por mês e gasta mais de R$ 1 milhão com um veículo não tem como ser repreendido com a multa estipulada.
Embriaguez, velocidade proibida e sinal vermelho 6o735n
No dia 16 de agosto de 2021, na primeira hora da madrugada, Alexsandro Luiz Antunes tinha acabado de entregar o último pedido feito no restaurante em que trabalhava. Encerrado o expediente, subiu em sua moto Yamaha Lander e voltava para a casa, no Centro de Florianópolis, onde vive com a filha de seis anos.
Lucas Demathe da Silva, por sua vez, deixava um bar na rua Bocaiúva, também no Centro, onde tinha dividido um combo de bebidas com amigos. Dentro de sua Mercedes Benz AMG GT63S, avaliada em R$ 1,3 milhão e que atinge uma velocidade de 315 km/h, o então morador de Jurerê Internacional dirigia pela avenida Beira-Mar Norte sentido Agronômica.
Alexsandro vinha no sentido transversal ao de Lucas, por dentro do bairro. Ele ou a rua Frei Caneca, alcançou a praça Professor Seixas Neto e pegou a travessa em frente, que faz o com a avenida. Quando cruzou o sinal amarelo para entrar na Beira-Mar Norte, ocorreu o acidente.
Alexsandro foi atingido em cheio pelo empresário, que furou o sinal vermelho a 142,6 km/h, segundo estimativa do IGP (Instituto Geral de Perícias) com base na análise das câmeras. A velocidade é quase o dobro do limite permitido na pista, de 80km/h.
Câmera flagrou carro ando em alta velocidade e atingindo motoboy – Vídeo: Arquivo/ND
Quando a Polícia Militar chegou ao local, Lucas estava cercado por outros motoboys, que ameaçavam linchá-lo, segundo o boletim de ocorrência. Ainda de acordo com o documento, ele estava com os olhos vermelhos, hálito alcoólico, dificuldade no equilíbrio e fala alterada. Ele recusou o teste de bafômetro.
Com o impacto, Alexsandro foi arremessado. A batida lateral provocou lesões principalmente no lado esquerdo do corpo do motoboy, que sofreu fratura do fêmur, do acetábulo, lesões nos dois joelhos, fratura das duas bacias, do dedão do pé, entre outras. Uma série de transfusões de sangue foram necessárias para repor a perda.
Ao ND+, o advogado de Lucas, Rodrigo Ghisi, defende que o acidente ocorreu, na verdade, devido a “uma fatalidade decorrente da dessincronização na transição dos semáforos, tendo em vista que, no momento da colisão, se encontrava vermelho para o motociclista”, afirma o advogado, que considera o primeiro laudo do IGP errôneo.
Noite que virou a vida de cabeça para baixo 3fe70
Alexsandro ficou internado por 30 em estado grave na UTI do Hospital Governador Celso Ramos. Ele só conseguiu sair da cama seis meses depois. Ainda faltam a estabilidade ao andar e o movimento do tornozelo. Alexsandro também precisa fazer fisioterapia e há ossos que ainda não colaram, conta o jovem.

“Eu tive muito pesadelo no período em que fiquei de cama, lembrava daquela noite. Agora estou saindo de casa e começando a esquecer um pouco”, desabafa.
Incapaz de retomar o trabalho, sua rotina consiste em acordar, deixar a mãe e a avó no trabalho e levar a filha de seis anos à escola com o carro adquirido para poder se locomover. O resto do dia ele a na cama.
A renda mensal é garantida também por determinação judicial. Mensalmente, entra na conta do jovem um salário mínimo (R$ 1,2 mil), depositado por Lucas, conforme determinado pelo juiz Marcelo Elias Nascheweng. O motoboy, no entanto, ressalta que o valor é insuficiente.
Representada pelo advogado Victor de Oliveira Fontes, a família inicialmente pediu o pagamento de R$ 7,2 mil alegando que essa era a renda total de Antunes, somando as gorjetas e o valor pago por entrega. No entanto, o magistrado argumentou que “a documentação [apresentada] por si só não é suficiente para demonstrar seus ganhos”.
“Ele era motoboy freelancer. Como recebia por dia, o valor vinha em dinheiro. O juiz pediu o registro do depósito em conta, coisa que não tinha. O proprietário do estabelecimento em que o motoboy trabalhava chegou a fazer uma declaração, mas não foi aceita”, reclama a mãe do motoboy, Bárbara Gabrielle de Oliveira. Lucas também é obrigado a pagar as despesas médicas de Alexsandro.
“Ele acabou com a vida do meu filho. Tornou ele um deficiente físico e um cara cheio de traumas. Tirou a dignidade de um cara saudável. Eu quero que ele repare o dano que causou. Se fosse alguém sem condições eu até entenderia, mas não é um pobre coitado, é um bilionário”, conclui a mãe.
Indenização é motivo de desacordo 6ggr
Lucas foi indiciado e denunciado por lesão corporal dolosa, além da suspensão de dirigir por três meses. Para evitar o processo criminal, ele assinou junto ao Ministério Público um acordo de não persecução penal, uma série de condições oferecidas ao réu em crimes considerados de menor gravidade que encerram a tramitação.
No acordo firmado em fevereiro deste ano com o promotor de Justiça Fabiano Henrique Garcia, Lucas teve de confessar o crime e concordar com o pagamento de fiança prevista em 20 salários mínimos, parcelada em dez vezes, o que corresponde a pouco mais de R$ 24 mil.
A juíza Andrea Cristina Rodrigues Studes, da 5ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis, em decisão de abril deste ano, argumentou que o valor é insuficiente para repreender o crime devido à fortuna do jovem. O crime não tem como ser repreendido se a multa é inferior ao aluguel do apartamento onde vive (estimado em R$ 27 mil) e ao próprio valor do carro.
“Compulsando os documentos juntados pela própria defesa do indiciado, verifica-se que o indiciado possui um elevado nível financeiro, sendo que considero ínfimo o valor fixado a título de prestação pecuniária”, dizia a decisão de Andrea, sem definir o valor que o bilionário deve pagar de indenização.
O promotor de Justiça Fabiano Henrique Garcia manteve a proposta. Para ele, os dois exemplos dados pela juíza não servem de embasamento. “O valor da prestação pecuniária deve ser fixado dentro do limite previsto […]. Deve guardar correspondência com a situação financeira do investigado, sim, mas também deve ser compatível com a culpabilidade do investigado e com a gravidade do dano sofrido pela vítima”, assinou.
A defesa de Lucas também recorreu e alegou que não é competência da juíza determinar a quantia. “O valor proposto […] já considerou a capacidade financeira do investigado”, defende o advogado Rodrigo Ghizzi. Ele afirma que a “cifra está muito superior ao que usualmente é estipulado para delitos da mesma natureza e, inclusive, de crimes mais graves como homicídio”.
Agora, a divergência será julgada pelo Tribunal de Justiça, que deverá decidir sobre a indenização correta, levando em conta a posição da juíza e do Ministério Público. Até esta segunda-feira (12) a sessão ainda não havia sido marcada.
Quem é Lucas Demathe da Silva
Lucas Demathe da Silva é filho de Eggon João da Silva, fundador da WEG, multinacional de Jaraguá do Sul e uma das maiores fabricantes mundiais de equipamentos elétricos. Lucas foi destaque nos noticiários após ser reconhecido como um dos cinco herdeiros de Eggon, sete anos após a morte do pai, aos 85 anos, em 2015.
Foram cinco anos de disputa na Justiça de Santa Catarina entre os quatro herdeiros do empresário e Lucas Demathe. Após a vitória, ele ganhou o direito de receber a herança no valor de R$ 1 bilhão. A decisão que colocou o jovem entre os catarinenses mais ricos do Estado foi publicada em agosto deste ano.
Contrapontos x481h
Rodrigo Ghisi, advogado de Lucas na esfera criminal, informou que foi apresentado recurso contra a decisão da Justiça. “Salienta-se que o montante é revertido ao Estado e não à vítima, cuja pretensão indenizatória é discutida em via própria (ação cível). Todavia, o recurso pende de julgamento”, informou em nota.
Responsável pela defesa na esfera cível, o advogado João Fábio Silva Fontoura salientou que está sendo “cumprido o que foi determinado no processo. Outros tratamentos devem ser comprovados nos autos e a partir disso deve ser definido ou não o que deve ser feito”.