O júri popular do motorista do caso Maristela Strighini, que comoveu e chocou o Alto Vale do Itajaí em 2014, já tem data para acontecer. A história ganhou repercussão após a mulher ser tragicamente arrastada por 800 metros por um motorista supostamente alcoolizado, que não prestou socorro. O embate entre o acusado e a comissão julgadora acontecerá no salão do fórum da comarca de Rio do Sul no dia 5 de maio, a partir das 12h.

800 metros é a extensão da disputa olímpica clássica do atletismo. São duas voltas na pista oficial, que mede 400 metros. A prova exige grande capacidade psicológica e física dos atletas, que precisam ar e aumentar com eficiência a alta velocidade que a distância exige. Maristela Strighini nunca foi atleta. Nem mesmo precisou se preparar psicologicamente para uma prova de atletismo.
Até o dia 5 de abril de 2014, ela jamais imaginou que aria grande parte da vida tentando se recuperar das marcas físicas e psicológicas que a grande prova da vida exigiria.
A extensão de uma prova de atletismo foi o mesmo percurso que ela fez, só que arrastada debaixo de um carro, gritando por socorro. Suplicando pela vida.

O dia 14 de abril de 2014
Moradora de Lages, Maristela foi à Rio do Sul com o noivo participar de um evento de motos com os amigos. Ao final, eles aram em uma lanchonete onde confraternizaram com alguns amigos.
Depois, ela e o noivo se despediram das pessoas que estavam com eles e, em uma moto, foram em direção à casa do irmão dela. A moto em que eles estavam foi atingida por um veículo no centro de Rio do Sul. O capacete ficou preso no eixo do automóvel e ela foi arrastada até se soltar do automóvel. O condutor não parou para socorrê-la e seguiu viagem.
Esta foi a história apresentada em linhas gerais pelas partes envolvidas. Outras versões, como a do Ministério Público, ganham entrelinhas de crueldade, perseguição e criminalidade.
Maristela lembra que, enquanto era arrastada, só conseguia pensar na filha, que na época tinha 13 anos, e no quanto desejava viver para seguir ao lado dela. Ela perdeu a parte frontal inteira do corpo. Os médicos deram apenas 1% de chance de sobrevivência. Ao relembrar o pior dia da sua vida, ela conta como foi no momento em que era arrastada.
“a um filme na minha cabeça, parecia um pesadelo! Não tive nada o que fazer, só pedi para Deus me salvar. “Só pensei em viver para ficar com minha filha, minha mãe, minha família”, relembra, acrescentando: “quando fui achada e socorrida eu só conseguia pedir que me levassem rápido para o hospital para que eu tivesse alguma chance de sobreviver”.

Após oito anos, réu vai a júri popular
Maristela hoje tem 48 anos, ou por 53 cirurgias, perdeu 50% dos movimentos da mão esquerda e ainda enfrenta muitas dores que são consequência da tragédia. Não bastassem as marcas físicas e psicológicas ela ainda vem enfrentando um processo por não conseguir pagar a totalidade das cirurgias.
Mas para quem só tinha 1% de chance de sobreviver, hoje ela é grata pela vida, por simplesmente respirar ao lado da filha, e deseja apenas que “a justiça seja feita”.

O anseio ficou ainda mais latente neste ano, quando recebeu a notícia de que seu agressor, após oito longos anos de espera, estará no Tribunal do Júri no dia 5 de maio.
“Sempre tive a certeza de que minha vida ia mudar. E realmente mudou muito. Nada vai voltar a ser como antes, mas mesmo com todos os traumas e cicatrizes eu estou viva. E espero que a justiça seja feita, pois acredito que, do contrário, todos poderão fazer o que quiserem sem serem punidos”, comenta, confiante no desfecho.
Maristela ingressou com dois processos, um cível e outro criminal, contra o homem acusado de ter causado o acidente. Esgotados os recursos, o réu responderá por dupla tentativa de homicídio qualificado, por motivo fútil e meio cruel. A sessão ocorrerá no dia 5 de maio, às 12h. “Eu não tenho o que temer, pois nestes anos sempre falei a verdade. Torço que que seja um júri honesto e verdadeiro”, ressalta, emocionada.
Segundo MP, réu estava alcoolizado, perseguiu o casal, e tentou matar a vítima
O Ministério Público foi taxativo na denúncia. Segundo acusado, no dia 13 de abril de 2014, o motorista, sob influência de álcool, teria invadido a via de rolamento por onde trafegava a motocicleta. Ele foi, então, repreendido pelo condutor da moto e, por este motivo, teria perseguido o casal e colidido na traseira do veículo, derrubando-os.
Depois da queda, ainda segundo acusação do MP, o réu teria ado com o carro por cima da ageira, momento em que o capacete dela ficou preso na parte inferior do veículo. “Mesmo ciente de que a mulher estava presa ao carro, ele teria seguido em alta velocidade, com manobras em zigue-zague na tentativa de se livrar do corpo dela”, dispara a promotoria.
O MPSC vai mais longe. Conforme o relato apresentado, que será levado à comissão julgadora, nem mesmo o barulho provocado pelo atrito, o alerta de populares e os gritos de socorro da vítima surtiram efeito.
Tanto que a mulher só conseguiu se desprender do veículo por conta de um desnível da rua. “O motorista fugiu em seguida sem prestar auxílio. A vítima, que teve ferimentos gravíssimos, foi encaminhada ao hospital pelo Corpo de Bombeiro”, relata ainda o MP, conforme nota divulgada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
De 25 jurados e o mesmo número de suplentes, 7 participarão da sessão
A audiência que vai definir o desfecho do caso Maristela, será presidida pelo juiz Claudio Marcio Areco Junior, titular da Vara Criminal da comarca de Rio do Sul. Segundo ele, o caso foi incluído na pauta assim que possível, dada a urgência entre os outros que estão para julgamento. O magistrado explica como ocorreu a formação do júri.
“É composto a partir de uma lista de aproximadamente 400 cidadãos, publicada no ano anterior para que se permitam análise e impugnações por qualquer interessado. A partir de tal lista, são sorteados 25 jurados para a reunião mensal e, em razão do atual momento da pandemia da Covid-19, são sorteados ainda 25 suplentes. A partir do número inicial de 25 jurados são, na data de cada sessão de julgamento, sorteados jurados até que se complete o Conselho de Sentença, composto por 7 jurados”, explica, acrescentando que tanto a defesa quanto a acusação podem realizar até três recusas imotivadas.
“Segue-se, então, com a tomada de compromisso dos jurados e apresentação a eles das provas, debates entre as partes, votação e sentença”, conclui.
Sessão será transmitida ao vivo pelo Youtube
A sessão de julgamento será restrita aos sete jurados, ao juiz presidente, ao representante do Ministério Público, advogado dos assistentes de acusação, aos advogados do acusado, dois oficiais de justiça, um técnico judiciário auxiliar e outro de e de informática.
“Seguimos este modelo desde a retomada de tais julgamentos em agosto ado, a presença no salão do júri, dada a necessidade de se preservar ao máximo a saúde das pessoas que precisam participar”, justifica o juiz.
Apesar da restrição no local do julgamento, o juiz optou pela transmissão ao vivo das sessões pelo canal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina no Youtube.
Luiz Vicente de Medeiros, advogado de Maristela, não quis dar detalhes sobre as provas e o embasamento da acusação, mas garante estar confiante. “Os advogados de defesa são muito bons, conheço e sou amigo de um que atuou. Eles fazem trabalhos extraordinários, mas acredito que sabem que o processo e as provas não lhes favorecem”, diz confiante.
O advogado de defesa do réu, Paulo Voltolini, informou que não vai se manifestar neste momento. Segundo ele, a defesa vai esperar a proximidade do júri.