“A primeira vez que ele me agrediu eu estava grávida do meu primeiro filho. Ele veio pra cima de mim e ficou me enforcando alguns segundos”.

Flávia*

“Eu cresci neste ambiente. Se alguém era violento comigo, eu não podia dizer não”.

Roberta*

Flávia* e Roberta* são os nomes fictícios de duas mulheres vítimas de violência doméstica em Santa Catarina – que se somam a tantos outros milhões de casos no Brasil e no mundo – que temem ser reconhecidas por seus ex-companheiros agressores. Por isso, suas identidades foram protegidas nesta reportagem.

Casos como os delas estão longe de serem isolados. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou em 2021, uma em cada três mulheres sofre, ou sofreu, algum tipo de violência ao longo da vida. São cerca de 736 milhões de pessoas que carregam em seus corpos e almas marcas da violência física, psicológica ou sexual praticada por seus parceiros, pais, padrastos e outros homens de seus ciclos familiares e sociais.

MAPA DA VIOLÊNCIA 3o3u1n

De acordo com o mapa da violência, estima-se que 37% das mulheres que vivem nos países mais pobres  sofreram violência física e/ou sexual por parte de seus companheiros. A Oceania, o Sul da Ásia e a África Subsaariana têm as maiores taxas de agressões contra mulheres de 15 a 49 anos, variando de 33% a 51%.

No Brasil, o percentual de feminícidios é de 34,5% entre o total de homicídios. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021 mostrou que o estado do Mato Grosso disparou na dianteira dessa absurda estatística: são 59,6% dos homicídios enquadrados como feminicídios. Ou seja, pessoas que foram assassinadas por sua condição de gênero, que morreram apenas por serem mulheres.

Entre 1º de janeiro e 30 de abril de 2022, Santa Catarina registrou um total de 24 feminicídios, segundo o último boletim mensal de indicadores da Secretaria de Estado da Segurança Pública. O dobro do total contabilizado no mesmo período de 2021. Um acréscimo de 25% no número de mortes durante o último quadrimestre de 2022.

Ao mesmo tempo, o Estado é um dos que mais têm delegacias direcionadas ao combate à violência contra a mulher. São 31 no total, que atendem também crianças, jovens e idosos.


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acréscimo no número de mortes por feminícidio em Santa Catarina
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delegacias para o combate à violência contra a mulher em Santa Catarina.

O que configura violência contra a mulher? 36303e

Mas afinal, como identificar o que é  violência doméstica – para além da agressão física – e quebrar esse ciclo já tão arraigado em nossa cultura e sociedade? A Lei Maria da Penha, sancionada em 07 de agosto de 2006 e atualizada em 08 de março de 2022,  chegou para, além de punir, ajudar a esclarecer didaticamente as ramificações da violência contra a mulher, que muitas vezes sequer são questionadas dentro de uma rotina de agressões físicas, verbais e sexuais.

“Toda vez que eu trabalho em uma relação que parte da hierarquia, da opressão, ou em que haja alguém se posicionando acima do outro, podemos estar trabalhando com uma posição em que a violência pode ser expressada”

Ana Carolina Mauricio, psicóloga do Grupo Ágora

Geralmente quando ouvimos o termo violência doméstica ou contra a mulher, estamos condicionados a visualizar  apenas a agressão que machuca o corpo, a que deixa marcas a olhos vistos. Mas estas práticas podem ser também de cunho psicológico, sexual, moral e até patrimonial. Esses tipos de violência também estão contemplados e vêm sendo constantemente reavaliados na legislação brasileira.

Alterações nas leis aram a considerar a perseguição online, conhecida também como “stalker”, termo que em inglês significa perseguidor, além da agressão psicológica, como crimes íveis de afastamento imediato do autor da violência antes mesmo de autorização judicial. No entendimento do legislativo, até que seja agredida fisicamente – ou mesmo morta – a mulher a por outros tipos de coações. Por isso, é essencial que a relação abusiva seja identificada o quanto antes, uma vez que na maioria dos casos, o parceiro já dá sinais de que pode chegar às agressões mais graves.

“As delegacias da mulher surgem com esse propósito, de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica familiar e sexual. Crimes que são praticados contra a mulher na condição de mulher”

Patrícia Zimmermman, coordenadora das DPCamis em Santa Catarina.

Mas para que a quebra do ciclo de violência sejam efetiva e tenha efeitos práticos, é essencial que haja acolhimento e união de esforços de toda a sociedade. Desde o vizinho que percebe sinais de violência doméstica no apartamento ao lado até as forças policiais e instâncias judiciais que atendem essas mulheres violentadas. São muitos os bloqueios e barreiras que elas precisam percorrer e vencer.

“A maior experiência que eu tive trabalhando em uma delegacia de proteção à mulher foi o meu desenvolvimento como ser humano. Vivemos culturalmente em uma sociedade com raízes machistas”, conta o delegado da Dpcami Gustavo Kremer, que precisou superar um obstáculo cultural para desenvolver sua atuação na delegacia da mulher de Florianópolis.

REPORTAGEM e produção: AMANDA SANTOS • Pré Produção: Vitorya Navegantes • IMAGENS: MARCELO FEBLE e JACSON BOTELHO • Edição de texto: Reginaldo de Castro • EDIÇÃO DE VÍDEO: MARCOS OLIVEIRA • Edição de arte: Lucas Rezende • EDIÇÃO DIGITAL: LUIS DEBIASI e LUCIANA BARROS