O chão branquinho é o sonho supremo. Nossas cidades serranas disputam com as do Rio Grande a glória de identificar-se como “a cidade mais fria do Brasil”.
– É São Joaquim! – não abdicam os moradores da simpática cidade plantada acima dos contrafortes da serra do Rio do Rastro.
– É Bom Jesus! – replicam os gaúchos.
– É Urubici e Urupema! – treplicam os catarinas.

Este ano promete neve para todos, com uma paisagem de capa de chocolate suíço.
Frio é coisa boa, mas tem gente que só gosta de “senti-lo” pela televisão. Mas ainda bem que a neve só aparece mesmo para uma “photo oportunity”, sem acumular montanhas pelas ruas. Já imaginaram se nevasse regularmente nas cidades brasileiras? O trânsito naturalmente caótico acabaria proporcionando uma ótima desculpa pra turma faltar ao trabalho:
– Ô patrão, não posso nem sair de casa! Minha porta já está com neve de meio metro!
Frio é sempre bom. Bom pra tomar um tinto de estirpe, como o chileno “Casillero del Diablo”, aquecendo as orelhas como um daqueles antigos bonés de abotoar no queixo.
É bom pra subir a serra a fim de “traçar” um frescal e devorar uma ovelha. É bom pra tomar um “Camargo” em Lages, com os amigos da serra, em torno de um fogo de chão. Para os “iniciados”, esclareçamos o que seja um “Camargo” : café forte com leite espumante – recém ordenhado – servido em caneca de ferro esmaltado, adoçado com açúcar mascavo.
O frio é bom pra “estraçalhar” uma costela assada no fogo-de-chão, com “paçoca” típica da terra: charque socado no pilão, misturado com farinha de mandioca – um incrível prato tropeiro, com ingredientes da serra e do litoral.
O ciclo do frio faz bem à vida e aos romances desatados, numa noite de lareira acesa. Paradoxalmente, o frio é calórico. Convida para um vinho cor de rubi – um “Melchior”, talvez – mais os “fondues”, os pinhões, as carnes, os chocolates, os licores de aroma forte – entre eles, os licores do amor…
Contra o frio há remédios: uma meia de lã, um cobertorzinho amigo, um suéter, um astracã, um casaco de pele de “doninha”, imitação “sintética”, é claro, para sermos politicamente corretos. Ou uma “dona” em pelo, na romântica posição de “cobertor de orelha”.
Num país tropical, a “reportagem” do frio é sempre cercada de superlativos. A “neve” que “ainda virá” haverá de instalar o próprio Polo Antártico em São Joaquim, Urubici e Lages, transformando os meus amigos da serra em personagens de Jack London – de pelego, gorro e luvas, o automóvel convertido em trenó puxado por meia dúzia de renas.
A promessa de neve está no ar, a atmosfera já é convidativa. Como naquele agosto de 2013, lembram-se? Nevou até em Floripa, bem nos ombros do Cambirela.
De repente, Santa Catarina volta a ocupar o “horário do frio na tevê”, com a visão de sua “porção” europeia, sua paisagem alpina, suas árvores tingidas de branco, o espetáculo da neve transformando turistas em crianças, todos desempenhando o lúdico exercício de fabricar bolas de neve para “atirar” ou para formar o “nariz” de um boneco.