Nem ele, um motociclista com 20 anos de experiência em cima de duas rodas, poderia imaginar que em fração de segundos haveria uma mudança tão repentina na vida dele e da família. Edson trabalhava como motorista de ônibus. Fazia todos os dias o mesmo percurso pela BR-101 na Grande Florianópolis.

Ele estava feliz com uma recente promoção recebida na empresa. Naquela manhã do dia primeiro de agosto de 2018, no quilômetro 210 da rodovia em São José, um acidente quase lhe tirou a vida.
“Eu estava na pista da esquerda, atrás de um caminhão. Na frente tinha uma saída para a marginal, veio um carro atrás do caminhão e entrou. Eu joguei para a outra pista só que os carros estavam parando. Me assustei, não tinha visão e tirei para o corredor. Quando percebi bati na lateral com o guidão, a moto foi para um lado e eu para baixo do caminhão”, lembra.
Sem movimentos 671vy
Caído no asfalto ele não sentia mais o movimento da perna direita. “Fiquei 30 minutos à espera de socorro”, conta.
Socorristas de uma ambulância do Samu voltavam do atendimento de uma ocorrência. Eles notaram o acidente, fizeram o retorno e pararam para ajudar. Edson foi encaminhado para o Hospital Regional de São José. ou dez dias na UTI e mais 50 internado para tratamento clínico. Ao todo foram dois meses até receber alta ao lado da esposa e da filha, na época com nove anos.

“Fui eu quem atendi o telefone na hora que ele sofreu o acidente. Era uma moça que queria falar com a minha mãe. Daí eu ei pra ela. E na hora ela atendeu o telefone e falou ‘o teu pai sofreu um acidente’. Eu já sabia que era grave. Daí eu percebi que a nossa vida ia mudar, não seria mais a mesma”, relembra Amabilly Cardoso Fernandes, que acompanhou o pai durante toda a entrevista.
Edson acredita que nasceu de novo e, a partir de uma nova chance de viver, iniciou um longo processo de recuperação e adaptação a uma nova realidade.
Afinal, aquele acidente deixou marcas no corpo: sequelas na função motora do corpo em decorrência da amputação da perna direita.
“A adaptação foi difícil. Eu tive que morar em Palhoça no mesmo terreno do meu sogro na parte de cima da casa deles. Tinha escada e nada era adaptado pra me receber ele ali”, recorda.
A vontade de viver fez ele superar as limitações impostas pelo acidente. Edson encontrou no paradesporto a motivação para seguir a vida.
A handbike se transformou em um estímulo rumo a novos horizontes. O meio de transporte agora é um veículo adaptado e a forma de dirigir também mudou.
“Eu queria dizer para as pessoas prestarem atenção no trânsito e ter mais calma. Hoje eu tenho muito mais calma no trânsito”, ressalta emocionado.
EVOLUÇÃO DA FROTA DE MOTOCICLETAS EM SC 6m7373
- 2012: 733.187
- 2013: 763.019
- 2014: 792.076
- 2015: 815.722
- 2016: 833.005
- 2017: 851.217
- 2018: 872.731
- 2019: 897.363
- 2020: 918.651
- 2021: 946.446
- 2022*: 955.441
*dados até abril
Demandas de vítimas acidentadas chegam às portas dos hospitais 1n522c
Em 2021, Santa Catarina liderou o ranking de acidentes com motos em rodovias federais no Brasil. O Estado também ocupou a primeira posição em número de feridos e a sexta colocação em quantidade de mortes. O trecho catarinense da BR-101 foi o recordista nas rodovias federais do país com 2.001 acidentes.
Toda a demanda destes acidentes vai parar na porta das emergências dos hospitais onde os médicos têm percebido um perfil de vítimas cada vez mais jovens.
“Normalmente é jovem, guri, a maioria do sexo masculino, 18 a 25 anos de idade”, relata Daniel Carvalho, médico ortopedista do Hospital Regional de São José.
Apenas em 2021, o HRSJ (Hospital Regional de São José) recebeu 2.875 das 3.807 vítimas de acidentes com motos atendidas nos dez hospitais públicos istrados pelo governo de Santa Catarina.
Carvalho ainda chama a atenção para a gravidade dos casos atendidos em hospitais. Em 2020, logo depois da flexibilização das atividades econômicas fechadas por conta da pandemia, aumentou o número de pacientes com sequelas e de cirurgias para a amputação de membros das vítimas de acidentes, principalmente com motos.
“Nós tínhamos uma média de um a dois casos de amputação por mês. No mês de maio de 2020, quando realmente começou a abrir, existia uma demanda maior por serviços de entrega, a gente teve 16 casos de amputação de membro só num mês”, alerta.
A frota de motocicletas no trânsito catarinense não para de crescer. Em dez anos saltou de 733.187 para 955.441. Na última década o maior crescimento foi anotado entre 2012 e 2013 quando 29.832 novas motos foram emplacadas no Estado, ou seja, um incremento de 4,07%.
Alguns destes veículos são usados por pessoas que dependem do equipamento automobilístico para sobreviver. A Associação de Motofrete em Santa Catarina estima que somente na Grande Florianópolis mais de 40 mil motofrentistas trabalhem diariamente com entregas na região.
Corrida contra o tempo para salvar vidas 5c1o5g
Diariamente socorristas do Samu, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, travam uma guerra com o relógio e o trânsito para salvar vidas.
Das 738.190 ligações feitas para o serviço no ano ado em todo o Estado, 25.434 estavam relacionadas a acidentes de trânsito, o que representa 3,4% de todas as ocorrências.
Conforme a Superintendência de Urgência e Emergência, o percentual de acidentes registrados pelo Samu entre janeiro e maio deste ano está em 3,5%.
“Nós estamos sempre prontos para atender, mas a conscientização da população é fundamental pra que isso se reduza ao longo dos anos e não venha aumentando como está acontecendo”, apela Carla Araújo Pires, médica responsável técnica do Samu.
Há dois meses, o enfermeiro Walmir Juliano estava no atendimento de uma ocorrência e a cena do acidente ficou marcada na memória.
“A vítima era o piloto da moto, porém ele tinha uma prótese na perna esquerda que estava separada e longe do corpo. Ele tinha o braço esquerdo atrofiado, sem força preservada e movimentos bem s. O braço direito havia sido amputado ali, no local, na proximal de antebraço”, relembra.
A vítima sobreviveu, mas nem sempre quem está na linha de frente consegue ser porta voz de boas notícias para os familiares das vítimas.
“A gente ali faz tudo o que é possível, mas às vezes o resultado não é positivo e o esperado. E lógico que a gente também sente, eu como também sou pai, tenho uma filha jovem”, conta Valdeci Vieira, motorista de ambulância do Samu em Florianópolis há cinco anos.
A realidade nas ruas e estradas ainda choca profissionais como o cirurgião geral e coordenador médico do Samu, Guilherme Kumm Ávila, que está de um lado para o outro nas ambulâncias para salvar vidas.

“Nos deparamos com vítimas graves, normalmente jovens e que ficam com sequelas definitivas em boa parte das vezes”, enfatiza.

Movimento para um trânsito mais seguro 3y6g2f
A campanha SC Não Pode Parar, iniciativa da Fiesc em parceria com o Grupo ND, está promovendo um intenso movimento de educação para um trânsito mais seguro.
Márcia Pontes trabalha com motoristas que tentam superar o medo de dirigir. Para a especialista em trânsito, a conscientização para virar este jogo precisa partir de toda a sociedade, caso contrário, as rodovias e ruas continuarão sendo um barril com pólvora renovada para explodir todos os dias.
“O motorista não controla tudo. Ele pode achar que controla o carro dele, mas ele não controla fatores climáticos, condições adversas, comportamento do outro motorista, uma falha estrutural ou de sinalização na rodovia. Então a gente tem que dirigir se antecipando a todos os riscos e não sendo mais um risco em meio a tantos que já temos”, complementa.
O Edson está vivo para contar o que ou na pele. “Eu não estava 100% focado no que eu estava fazendo que era dirigir a moto. Eu estava um pouco atrasado, só que eu não estava correndo. O trânsito acontece e, com a pressa, a gente não presta atenção suficiente para tomar os devidos cuidados que é a direção defensiva. Eu estava em cima da moto, mas estava lá na frente pensando no que eu faria alguns minutos à frente”, recorda.
Edson é um sobrevivente, um homem que viu a vida quase ser perdida em segundos, e por pouco, não teve a chance de ver crescer a única filha.
“Ela me dava força para melhorar, fazer tudo o que tinha que fazer no hospital pra viver né e para criar ela”, lembra Edson enquanto secava as lágrimas. “Eu sofri na pele, tudo mudou de uma forma trágica, mas também começou uma vida nova. Eu sobrevivi e queria dizer para as pessoas prestarem mais atenção no trânsito”, conclui.