Você tem ou teve um bom pai? Aliás, o que é ser um bom pai? Estar presente? Prover bem-estar? Oferecer tempo de qualidade? Muito se fala sobre as atribuições da maternidade, mas a discussão acerca da paternidade e de sua plena execução, bem como a justa divisão das demandas dos filhos entre mães e pais, ainda engatinha.
Por séculos, a função primordial do homem era prover o lar e a família. Já as mulheres deveriam se concentrar em criar e educar os filhos. Essa separação secular de funções que diferenciam pai e mãe resultou em uma lacuna cada vez mais questionada na atualidade: pais presentes, mas que são ausentes.

“Ele não foi embora fisicamente, mas emocionalmente nunca esteve lá. Eu preferiria que ele tivesse me abandonado. O abandono dentro de casa é o mais triste. Ele achava que era só colocar comida na mesa e estava fazendo muito pelos filhos”, disse um homem, de 34 anos, que pediu para não ser identificado, mas que ite sofrer de ausência paterna.
“Aqueles que são abandonados fisicamente pelos pais podem virar estatística. Mas e os que são emocionalmente? Viram o quê? A ausência paterna produz uma falta de referência. E essa falta na vida de uma criança pode causar diversos impactos no futuro, como problemas de agressividade, inseguranças, medos, diminuição do rendimento escolar, ansiedades e problemas de obesidade”, conta o psicólogo Rafael Frasson.
O homem conta que quando tinha 6 anos ficou um mês sem ver o pai, mesmo morando na mesma casa. A desculpa era o conflito de horário entre a rotina de trabalho e a da criança. “Uma noite fiquei até às 1h30 da madrugada esperando o pai chegar do trabalho. Ele chegou, me olhou, revirou os olhos e me mandou dormir, gritando que eu não deveria estar acordado aquela hora”.
Frasson aponta que podemos identificar três pontos que mais afastam pais e filhos que convivem sob o mesmo teto: “pais que tiveram infâncias problemáticas e não conseguiram resolver, os que não conseguem lidar com as situações cotidianas e aqueles que têm no status e nos bens materiais suas prioridades”.
Abandono paterno x ausência paterna 446tt
De janeiro a julho de 2023, cerca de 92 mil bebês nascidos no Brasil foram abandonados por seus genitores ou não têm o nome do pai na certidão de nascimento, segundo o Portal da Transparência. Em Santa Catarina, o total é de 2.504 crianças no mesmo período.
A ausência de um pai, seja física ou emocionalmente, traz grande impacto no desenvolvimento das crianças. Ou seja, não adianta ser o pai que mora sob o mesmo teto que os filhos e não participar de forma ativa da vida deles. Este comportamento se assemelha ao do abandono no nascimento, diz o Frasson.

“Além de tudo, somos impulsionados a levar uma vida corrida de trabalho e consumo, sem a preocupação com as pessoas ao nosso redor e até mesmo com a nossa própria saúde. Acontece que crianças não têm entendimento sobre status e dinheiro, mas sobre cuidado, carinho e presença, sim”, explica o psicólogo.
“Quando a referência paterna é acompanhada de poucos cuidados podem surgir transtornos mentais mais graves”, complementa.
Falta de comprometimento com a educação
A Pesquisa Atitudes pela Educação, divulgada hoje (6) pelo movimento Todos pela Educação, mostra que 19% dos pais de estudantes são considerados distantes do ambiente escolar e da própria relação com os filhos. No outro extremo, 12% dos pais sãos comprometidos, ou seja, acompanham o desempenho dos filhos na escola, comparecem às atividades escolares e têm relação próxima com as crianças e adolescentes.
A pesquisa envolveu 2.002 pais ou responsáveis de alunos de 4 a 17 anos, matriculados da educação infantil ao ensino médio, em escolas públicas e particulares de todas as regiões do país. Dependendo da maior ou menor valorização da educação e vínculo com a criança ou jovem, o estudo classifica os pais como envolvidos (25%), vinculados (27%), intermediários (17%), comprometidos e distantes.
Entre os pais considerados distantes, 25% procuram se informar sobre a proposta de ensino da escola, 37% ajudam a organizar o material para as aulas e 20% conversam com o filho sobre talentos no estudos e em outras atividades. Além disso, 60% gostam dos momentos que am com parentes e 59% acreditam que há uma relação de respeito entre todos na família.
Dos 12% comprometidos, 86% se informam sobre a proposta de ensino da escola, 98% observam as faltas, 91% respeitam a opinião das crianças e dos jovens, 79% mantêm contato com a escola sobre o desenvolvimento do aluno, 100% gostam dos momentos em família e 99% acreditam que há uma relação de respeito entre seus membros.
Ausência dos pais em datas comemorativas pode gerar impacto mental 2e1j49
O psicólogo explica que datas comemorativas são ótimas oportunidades para que pais e filhos criem memórias juntos e estreitem vínculos. Segundo ele, a ausência paterna nessas ocasiões pode provocar sentimentos de tristeza, abandono e rejeição. “Esses sentimentos podem se transformar em traumas emocionais que podem afetar o desenvolvimento da criança”.
“Em vários momentos me senti rejeitado. Ele quase nunca ia aos meus aniversários. Quando fiz 12 anos, minha mãe fez um jantar e estava tudo indo bem, mas ele arrumou um motivo qualquer pra brigar comigo e com ela no meio da comemoração. Ou ele não ia ou arranjava confusão. Era duro ir na casa dos amigos e ver como os pais deles agiam diferente do meu”, relembrou o homem.
Para Frasson, só teremos um futuro melhor enquanto sociedade quando os homens descontruírem essa barreira de cuidado com os filhos para que eles não se transformem em adultos destruídos psicologicamente. “É muito ruim ver muitos pais terceirizando os cuidados, as obrigações e a criação dos filhos para as mães e outras pessoas, e formando adultos emocionalmente complicados”, finaliza Frasson.
Pais ausentes, mães sobrecarregadas 2q161l
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) já comprovou: as mulheres trabalham quase o dobro que os homens. Além do emprego formal, as tarefas domésticas e os cuidados com a família ocupam mais de 21 horas da rotina semanal das brasileiras.
Trabalhar, cuidar da casa, fazer mercado, marcar consultas, brincar com as crianças… Essa lista enorme de afazeres pode sobrecarregar as mulheres, não só mental mas também fisicamente. E essa sobrecarga é potencializada a partir da ausência de parceria dos companheiros na criação e educação das crianças.
A sobrecarga mental provocada nas mulheres em decorrência da falta de colaboração e comprometimento dos companheiros é classificada como um sofrimento “calado e invisível” pela psicóloga Ana Carolina Mauricio, psicóloga clínica e mestranda na área de gênero pela UFSC, uma vez que a sociedade coloca a mulher em um papel de estar sempre disponível.
“É preciso aprender a dizer não, colocar limites e exigir o compartilhamento das demandas. A autocobrança é uma das principais causas da sobrecarga mental feminina. Perceber minhas mágoas e desejos e entender que sou responsável pelo que estou vivendo e que posso mudar é o caminho”, destacou Ana.